queda do ditador Khadafi (Foto: Site Oficial)
Aos 53 anos, Marcos Paquetá tem no currículo a disputa da Copa do Mundo com a Arábia Saudita em 2006 e os títulos dos Mundiais Sub-17 e Sub-20 pelo Brasil em 2003. Mesmo sem valer taça, 2011 reservou uma conquista que marcará a vida do treinador: enquanto via o momento histórico da queda do ditador Muammar Kadhafi, ele ele enfrentou a guerra civil, jogadores que largaram a seleção para lutar, partidas sem comissão técnica, atraso de salários, costumes religiosos e até a mudança das cores da bandeira e do uniforme para enfimcolocar a Líbia novamente na Copa Africana de Nações.
A história de Paquetá no país começou em julho de 2010 e o capítulo mais bonito até agora foi escrito no último sábado: com o 0 a 0 contra a Zâmbia, a seleção conseguiu a vaga na Copa Africana pela terceira vez na história. Antes, só havia disputado o torneio em 1982, quando foi sede, e 2006. Uma sensação de dever cumprido tomou conta do brasileiro.
- Tive muitos problemas assim que comecei , mas nada foi comparado à guerra civil. Tenho muito amigos aqui e realmente foi uma situação bem complicada. Enquanto estive na Líbia, morei em Trípoli, numa área nobre da cidade, com minha família e nunca presenciei nada parecido. O que a gente assistia na televisão assustava - disse Paquetá, por telefone, logo após a festa da classificação.
Com larga experiência no futebol do Oriente Médio, onde treinou o Al Rayyan (Qatar), Al Gharafa (Qatar), Al Hilal (Arábia), além da seleção saudita, Paquetá estreou no comando da Líbia em setembro, dois meses após ser contratado. O acordo de quatro anos com a federação previa a participação dele na reestruturação do futebol no país: além de dirigir a seleção principal, o brasileiro tinha que unificar o método de treinos de todas as categorias de base da seleção africana. Até o momento, o técnico conseguiu cinco vitórias e três empates. Invicto.
O trabalho de Paquetá à frente da Líbia começou nas eliminatórias para a Copa das Nações Africanas no dia 8 de setembro de 2010, quando enfrentou Moçambique. Os problemas já começaram a surgir ali: o jogo foi durante o Ramadã, mês sagrado do calendário islâmico, no qual os muçulmanos jejuam durante boa parte do dia e os atletas foram a campo sem comer.
- Foi uma partida às 15h, num calor de 30 graus, em um campo de grama sintética, e os jogadores, por causa do Ramadã, só haviam comido na noite anterior e não podiam beber, sem treinar. Isso me preocupou muito, mas eu sempre respetei a religiosidade de cada um - lembrou.
Mas, em fevereiro de 2011, um episódio nada agradável para a história do país começou a mudar. E a de Paquetá na Líbia também. Com o estouro da revolução contra o ditador Muammar Kadhafi, no poder desde 1969, o treinador precisou sair do país às pressas e conseguiu voltar para o Brasil, onde ficou até final de agosto, contando com a sorte de pegar o último voo antes do fechamento do espaço aéreo do país. Felizmente, o brasileiro não presenciou nenhum conflito armado e não sofreu com certas privações como o racionamento de alimentos e a escassez de água, que passaram a fazer parte do cotidiano da região.
- Começaram os problemas, e o embaixador brasileiro na Líbia logo veio nos procurar. Consegui comprar umas passagens pela internet e viajei com a minha família no último avião. O aeroporto estava uma confusão, com 100 mil pessoas tentando sair. Algo impressionante - contou.
O país passou a ficar com uma estrutura política indefinida, chefiada por um governo provisório e a relação de Paquetá com a federação local ficou estremecida. O técnico chegou a ficar 7 meses com o salário atrasado. Em julho, foi relatado que quatro jogadores da seleção desertaram em favor dos rebeldes na guerra contra Khadafi: Kahatroushi, Osama, Joma e Ahmed deixaram o time e foram para as ruas lutar pelo fim do governo do ditador. A Líbia enfrentava uma situação de instabilidade devido às manifestações populares e os conflitos já tinham resultado na morte de mais de 700 pessoas.
Em sua conta no Twitter, Paquetá afirmou que estava cada vez mais difícil dar continuidade ao trabalho. O técnico temia pela perspectiva de combates entre forças rebeldes, que estavam se aproximando da capital Trípoli e as tropas leais ao coronel Khadafi. O técnico, que pretendia realizar a preparação da seleção para a competição continental, encontrava dificuldades para convocar os atletas
Mesmo com medo da situação que havia se instaurado no país, o treinador seguiu no comando e seus encontros com os jogadores da seleção passaram a acontecer na Tunísia, servindo como sede improvisada para a realização de treinos por parte da equipe. Nesse meio tempo, desde o início da rebelião contra Khadafi, o time realizou dois jogos, ambos contra a equipe das Ilhas Comores. Na primeira disputa, em março, a Líbia goleou os adversários por 3 a 0 e, no seguinte, em junho, empatou em 1 a 1.- Cheguei a ficar com 7 meses de salário atrasado, mas eu entendi a situação do país. Estava tudo muito difícil, mas permaneci como treinador e dei sequência ao trabalho que eu vinha realizando com eles, mesmo com tantas adversidades - disse.
Por causa do clima de instabilidade política, o futebol líbio recebeu uma má notícia: a confederação africana (CAF) decidiu tirar do país a Copa Africana de Nações de 2013 e levou o torneio para a África do Sul. Em um acordo com o comitê executivo da CAF, a Líbia aceitou o acordo para sediar o campeonato apenas em 2017.
Com a saída de Kadhafi do poder, Conselho Nacional de Transição (CNT) passou a governar e fez uma mudança radical: a Líbia voltou a usar a bandeira que havia sido proibida pelo ditador desde 1977. Na seleção, o uniforme verde foi trocado por um branco e outro vermelho, e no lugar do escudo da federação foi colocada a bandeira criada em 1951 (após a independência da Itália) e agora utilizada pelos rebeldes.
- O uniforme ficou bem bonito, por sinal. As novas camisas vêm com a bandeira do país como escudo. Bem legal! - aprovou o técnico.
De camisa nova branca, a Líbia venceu Moçambique por 1 a 0 e usou e até novos jogadores: Paquetá convocou 30 atletas, mas 35 se apresentaram para a partida no Egito. Mesmo com portões fechados, os torcedores líbios comemoraram intensamente o resultado. Na saída do estádio, os fãs fizeram carreata e carregaram nos ombros os jogadores, que choravam emocionados.
A classificação heroica da Líbia veio no jogo seguinte contra Zâmbia no sábado, agora com força total. Com todos os jogadores que deserdaram a seleção de volta, a conquista da vaga foi suada e os líbios arrancaram um empate sem gols, fora de casa. O resultado deixou o time de Paquetá como o melhor segundo colocado das eliminatórias (12 pontos, um a menos que a Zâmbia no Grupo C), o que garantiu a classificação.
- O jogo foi bem difícil. As equipes estavam bem postadas em campo e no final o empate prevaleceu. Os jogadores que haviam deixado a seleção retornaram e a classificação só veio coroar meu trabalho junto aos atletas, pois passamos muitas dificuldades para levar a Líbia ao triunfo e finalmente conseguimos. Estou muito feliz por tudo ter dado certo - concluiu.
Diante dos confrontos, a Líbia só pôde jogar em seu país apenas uma das três partidas que lhe cabiam das eliminatórias. Mas passou pelas adversidades e terminou invicta, com três vitórias e três empates.
Ainda com medo dos conflitos no país, agora Paquetá tem como objetivo classificar o país para disputar a Copa do Mundo de 2014, no Brasil. Porém, ainda depende de apoio financeiro de empresários, já que a federação do país está sem dinheiro para investimentos: o brasileiro comandou sozinho os atletas contra Moçambique e Zâmbia, já que o restante da comissão técnica não teve o contrato renovado.
- Sempre torci para que tudo acabasse bem. Agora, além de podermos comemorar a classificação, podemos falar em pacificação no país - concluiu o técnico.
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