Memórias perdidas: Cabañas não se lembra do dia em que calou Maracanã Em recuperação após levar tiro na cabeça em 2010, atacante paraguaio luta para voltar ao futebol e sonha jogar ao lado de Ronaldinho


No dia 7 de maio de 2008, 51 mil incrédulos torcedores assistiram no Maracanã à eliminação do Flamengo na Libertadores, após derrota por 3 a 0 para o América do México. A partida é até hoje difícil de ser esquecida pelos rubro-negros e sempre lembrada pelos rivais. Mas na memória do principal personagem não há nada. Esta é uma das sequelas de Salvador Cabañas, que no dia 25 de janeiro de 2010 foi atingido com um tiro na cabeça dentro do banheiro de um bar na Cidade do México. Hoje, depois de vencer a batalha pela vida e ainda convivendo com a bala alojada na base do cérebro, ele busca a volta ao futebol de alto nível treinando no clube em que começou a carreira: o 12 de Octubre, que disputa a Terceira Divisão do Campeonato Paraguaio.
A rotina de Cabañas é muito diferente do glamour e dos holofotes que o cercavam até dois anos atrás. Localizado na cidade de Itauguá, a cerca de 40 quilômetros de Assunção, o 12 de Octubre tem uma estrutura simples. No entanto, o empenho dos profissionais para ver o ídolo novamente em campo é digno da força de um Barcelona. O principal objetivo é fazer com que o atacante volte a ter uma vida normal e marque seus gols.
Cabañas treina para voltar ao futebol no 12 de Octubre de Itauguá, clube em que começou sua carreira (Foto: Gustavo Rotstein / Globoesporte.com)
Cabañas é tratado com extremo carinho no clube que o revelou. Quando chega atrasado aos treinos, fica livre das multas e é recebido com sorrisos. Mas, quando entra em campo, ele precisa suar, mesmo agora sem o visual gordinho dos áureos tempos. Faz exercícios de musculação, corre, trabalha controle de bola e arrisca alguns chutes. Apesar do esforço, ainda são visíveis os reflexos do incidente. Além de uma marcante cicatriz na cabeça, o paraguaio não tem parte da visão do olho esquerdo e ainda não consegue caminhar sem mancar. No gramado, mostra uma fisionomia ao mesmo tempo concentrada e dispersa. Mas jamais perde o sorriso e a certeza de que vai voltar a jogar futebol.
Com seus gols, Cabañas fez estragos no futebol brasileiro em 2008. Pelas eliminatórias da Copa do Mundo da África do Sul, marcou um dos gols da vitória do Paraguai por 2 a 0 sobre a Seleção de Dunga em Assunção. Pelas quartas de final da Libertadores, fez dois sobre o Santos. No Maracanã, pelas oitavas, eliminara o Flamengo. Para o artilheiro, no entanto, as lembranças não existem.
- Tenho pouca memória, ainda não me lembro de muitas coisas. Esse é um problema que tenho, mas sei que o Flamengo é um grande clube e tem uma boa equipe - limita-se a dizer Cabañas.
De forma positiva ou negativa, o fato é que Cabañas ainda tem uma forte imagem junto aos brasileiros. E, quando fala do país onde construiu a imagem de carrasco, o jogador usa palavras de carinho e manifesta um desejo.
- Agradeço o carinho que vem do Brasil, um país de que gosto muito. Ainda mais por ser o país do Ronaldinho, uma pessoa que sempre admirei. Mando a ele uma grande saudação e torço para que siga adiante, porque é um monstro do futebol. Ficaria encantado de jogar com ele um dia.
Preparador usa Copa de 2014 como estímulo para evolução
Para realizar o sonho, Cabañas sabe que precisará de muito esforço, mas motivação não lhe falta. Seu técnico no 12 de Octubre, Rolando Chilavert – irmão do ex-goleiro José Luis Chilavert – costuma lançá-lo por 35 minutos nos amistosos de preparação para o Campeonato Paraguaio da Terceira Divisão, que começa em 14 de abril. Nos momentos de desânimo, o preparador físico diz para o atacante que ele precisa se preparar para a Copa do Mundo de 2014. Exageros à parte, Alberto González destaca a evolução do jogador desde o início dos treinamentos no clube, em 13 de janeiro.
- Há um mês ele não conseguia dominar a bola e girar. Quando estava com a bola no pé, era fácil para um adversário roubá-la. Hoje ele tem a percepção do que acontece à sua volta. Com os exercícios e estímulos, até mesmo sua memória começou a voltar. Acreditamos que ele pode ser um jogador competitivo novamente. Afinal, há jogadores que não têm uma bala na cabeça e mesmo assim não conseguem fazer o que ele faz - destacou.
Seja como uma forma de tratamento ou de treino para retornar aos gramados como profissional, Cabañas está agradecido por poder estar em campo e fazer o que gosta. Foram dois meses entre a vida e a morte, internado na Cidade do México, e outros dois numa clínica de reabilitação na Argentina. Por isso, o paraguaio não se queixa e comemora a oportunidade de recomeçar.
- O que aconteceu comigo foi um milagre, porque poucos sobrevivem ao que passei. Estou feliz por estar novamente no clube onde tudo começou. Quero jogar outra vez, pois sou um apaixonado pelo futebol. 

 Varjota Esportes - Ce.   /   Globoesporte

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