A polêmica gerada após o Fla-Flu da 30ª rodada do Brasileirão, quando o árbitro Sandro Meira Ricci mudou duas vezes de decisão até anular o gol do Fluminense depois de 13 minutos, reacendeu a discussão sobre um tema polêmico no futebol: a utilização do vídeo na arbitragem. Mas o que antes parecia tão distante, nunca esteve tão perto. E a mudança que pode afetar o futebol em todo o mundo está começando na Holanda. (Assista ao vídeo)
O projeto começou em 2011. Em 2013, começaram as conversas com a Fifa, antes mesmo de iniciarem os testes, em 2014. A primeira fase foi chamada de "offline". Isso porque um árbitro assistia aos jogos, mas sem se comunicar com o juiz que estava em campo. Neste momento, os holandeses puderam perceber quais eram os lances mais fáceis e os mais difíceis de haver interferência. Então, concluíram que seria impossível intervir em todo tipo de jogada. E foram definidas quatro situações em que o recurso poderia ser usado. São elas: irregularidades em gols, decisões sobre marcações de pênaltis, aplicações de cartões vermelhos direto e revisões de punições.
Sandro Meira Ricci trocou de decisão duas vezes e demorou treze minutos para anular gol do Fluminense (Foto: Editoria de arte)
Mas o processo é lento porque qualquer alteração nas regras do futebol devem ser aprovadas pela International Football Association Board (IFAB, sigla em inglês), órgão da Fifa que regulamenta as mudanças no esporte. A segunda fase foi apresentar os resultados obtidos no primeiro momento para convencer a International Board e a Fifa, o que só aconteceu em março deste ano, quando foram autorizados os testes.
E a Holanda mais uma vez saiu na frente. Desde setembro deste ano, o futebol do país conecta o árbitro de vídeo ao que está no campo. O assistente fica numa cabine, que pode ser dentro do estádio ou numa van, e de lá a equipe assiste ao jogo, coordena os replays e se comunica diretamente com o árbitro do campo. Credenciado pela Uefa e pela Fifa, o árbitro holandês Kevin Bloom foi treinado e participou da fase de testes do recurso. Ele acredita que qualquer dúvida pode ser resolvida em pouco tempo.
- A comunicação neste momento é fácil. O juiz pede ajuda. Ele diz: "Ok. Eu gostei de receber auxílio do vídeo." E eu (como assistente de vídeo) posso falar com ele diretamente. Então eu posso checar uma situação específica e responder alguma questão. Com minha experiência, isso pode levar no máximo de 10 a 20 segundos. E assim podemos informar exatamente o que houve no campo - afirmou.
Mas ainda há algumas questões a serem resolvidas. Para baratear o custo da operação, que é independente, o sinal da transmissão utilizado é mesmo da televisão. E isso pode restringir o número de ângulos em que uma situação é analisada ou impossibilitar a decisão com maior precisão. Na terceira vez em que o recurso foi usado, na partida entre Sparta Rotterdam e PSV Eindhoven, pela Copa da Holanda, havia apenas seis câmeras. E isso faz com que os holandeses corram para testar o máximo possível o recurso, antes que a Fifa decida sobre adotá-lo ou não em grandes competições.
Mas a Fifa não tem tanta pressa para aprovar a mudança na regra. Diretor do departamento de arbitragem da entidade, o suíço Massimo Busacca lembra que é preciso qualificar os profissionais que atuarão como assistentes de vídeo.
- É difícil dizer (quando será autorizado). Nós apenas começamos. Nós não temos hoje tantos juízes com experiência para ficar num carro e que tenham coragem de mudar uma decisão feita pelo colega no campo. Em primeiro lugar, nós temos que saber quem vai ficar no carro. Nós precisamos ter um juiz que tenha o mesmo alto nível do que está apitando. Você pode imaginar: se eu sou um juiz de alto nível, e meu assistente não está no mesmo nível, como ele pode mudar minha decisão? - afirmou o ex-árbitro, que atuou em duas Copas do Mundo (2006 e 2010).
Mas os holandeses estão atentos a essa questão. Os árbitros do país já estão sendo treinados para isso, com o apoio dos jogadores e dos torcedores.
Marco van Basten é a favor da utilização do vídeo no futebol (Foto: Reprodução/SporTV)
- Se talvez for um lance por impedimento ou não, eles podem checar e confirmar o lance. Logo, é bom para os dois times, e eu acho que isso é bom - disse Bart Ramselaar, meio-campista do PSV.
E se tudo já está caminhando bem para os holandeses, eles ainda receberam um reforço de peso: Marco van Basten, campeão europeu com a Holanda em 1988 e que assumiu recentemente o cargo de chefe de desenvolvimento tecnológico da Fifa. E o ex-atacante, que marcou época no Ajax e no Milan, apoia a ideia.
- Eu acho que é bom e que também é o tempo para fazer isso. Para usar essa assistência do vídeo. O futebol virou um negócio e há muito dinheiro em jogo. E as decisões que precisam ser tomadas no campo, às vezes, são difíceis para o juiz. Logo, isso é melhor para o juiz e eu acho que no fim do jogo é melhor para todos. É mais honesto. E é o que todos queremos - disse Van Basten.
Após reunião realizada na sede da Fifa na semana passada, o método holandês foi elogiado e, por isso, será usado em mais jogos até o fim desta temporada. Em outros lugares, como nos Estados Unidos, os testes também estão sendo feitos. Mas a Holanda se gaba de ser a única a fazê-los em jogos de primeira divisão.
NO BRASIL
Diretor da Escola Nacional de Árbitros do Brasil, Manoel Serapião foi a Zurique na última semana para participar do encontro realizado pela International Board. Na Suíça, foram realizados testes dentro e fora de campo. O modelo da CBF tem o assistente de vídeo dentro do estádio. O modelo "offline" inclusive já foi feito no Brasil, na final do Campeonato Carioca de 2016, entre Vasco e Botafogo. A Confederação Brasileira já estuda adotar o recurso a partir do Campeonato Brasileiro de 2017, mas, para isso, precisa da autorização da International Board.
NOS ESTADOS UNIDOS
Os americanos também já estão iniciando os trabalhos nessa área. Em agosto, o recurso do vídeo foi usado numa partida da USL (United Soccer League), que pode ser considerada a terceira divisão do futebol dos Estados Unidos, entre os times B do New York RB e Orlando City, franquias que têm representantes na Major League Soccer, primeira divisão. Na ocasião, quem tomou a decisão foi o próprio árbitro de campo, que consultou uma televisão que estava na beira do gramado. O juiz reviu o lance e decidiu expulsar um defensor do Orlando. Por enquanto, todos esses testes estão sendo feitos no estádio do time de Nova York. O país já tem a tradição de usar o vídeo em outros esportes, como no basquete (NBA) e no futebol americano (NFL).
Nenhum comentário:
Postar um comentário