Lembra dele? Márcio Theodoro: erro fatal e apelido rival que incomodava Ex-zagueiro do Botafogo diz que inexperiência o prejudicou na decisão da Taça GB em 95, contra o Fla. Formado como analista de sistemas, ele trabalha com imóveis

 "Márcio Te Adoro". Poderia ser a exaltação de uma torcida apaixonada por quem enverga a camisa do seu time. No entanto, o grito era uma fina ironia da torcida do Flamengo para agradecer ao zagueiro do Botafogo Márcio Theodoro. Na decisão da Taça Guanabara de 1995, ele havia falhado ao recuar a bola para o goleiro Wagner, e o lance definiu a vitória do Rubo-Negro: a bola foi parar nos pés de Romário, que não perdoou e fez 3 a 2, aos 37 minutos do segundo tempo. O Alvinegro havia empatado a partida – o arquirrival chegou a abrir 2 a 0 – e pressionava, mas o lance acabou com a chance de uma nova reação. O defensor alvinegro ficaria marcado pelo erro, e seu nome, atrelado ao jogo mesmo depois de 20 anos.

  Depois de quase uma década longe da fama, atuando no futebol português, Márcio Theodoro, que voltou a morar no Rio de Janeiro em 2005, voltou a aparecer. Abriu as portas de sua casa à reportagem do GloboEsporte.com e falou do lance com a sobriedade de quem completará 47 anos no próximo mês .
– Naquele momento tive de decidir rapidamente. Tomei uma decisão que não foi a mais acertada. Foi uma falha de execução de movimento, tentei atrasar de cabeça. Em nenhum momento senti pressão, independentemente de quem estivesse ali. O Romário era um grande jogador, mas não foi esse tipo de pressão que me fez cometer o erro. Talvez a inexperiência tenha feito com que eu tomasse uma decisão que não fosse a acertada. Se tivesse mais experiência, vivido isso outras vezes, saberia que poderia tomar outra decisão – explicou o ex-zagueiro.
E realmente faltava experiência, mas de vestir a camisa de um grande clube, de disputar decisões, de atuar num Maracanã lotado. À época com 27 anos, Márcio Theodoro havia chegado recentemente ao Botafogo, oriundo do Madureira.
– Não estava acostumado a participar de eventos desse nível. Faltava rotina de finais, de competir em alto nível. Era um ambiente diferente dos que tive nos clubes anteriores (Coleginho e Madureira). Reconheço que tive dificuldades, o que culminou com aquilo em 95. Se tivesse mais experiência, poderia ter tido outro desfecho. Mas é uma coisa que acontece no futebol e vai continuar acontecendo. Não tem jeito.

Márcio lamentou a derrota e recordou a confiança que o elenco alvinegro tinha na vitória. O time estava perdendo por 2 a 0 e buscou o empate, porém, levou o terceiro gol – na fatídica falha – aos 38 minutos da segunda etapa (assista à reportagem sobre o jogo no vídeo acima).
Frame Márcio Theodoro e Romário (Foto: Reprodução)Atento, Romário observa e corre para cortar a bola que seria recuada pelo zagueiro do Botafogo (Foto: Reprodução)
– Esperávamos ansiosamente pela final: Maracanã cheio, ambiente festivo, torcida na expectativa. O Botafogo era uma boa equipe, entramos confiantes e sabendo da responsabilidade. Tínhamos competência para ganhar. Eles abriram dois gols de vantagem e nem por isso nos entregamos. Infelizmente, num lance individual, foi tudo a perder – lamentou.
Naquela quarta-feira, dia 23 de março de 1995, Márcio Theodoro deixou o Maracanã carregando nas costas o peso de ser apontado como o culpado pela derrota. O vilão tinha nome e sobrenome.
– Foram dias difíceis. Foi uma falha individual que afetou o trabalho de uma equipe inteira: jogadores, comissão técnica, departamento médico... Milhões de torcedores frustrados. Isso conta bastante. No momento que ocorreu, pensei nos meus companheiros. Perdemos a oportunidade de vencer uma decisão. Tive apoio deles, não tenho do que reclamar, nenhum companheiro me criticou. E é normal o torcedor reclamar, pois ele cobra. Se o jogador não estiver preparado para receber cobranças, não irá atuar bem nunca, em time nenhum – disse Márcio, que garantiu não ter pensando em abandonar a carreira naquele momento.
O apelido de "Te Adoro", um trocadilho com seu sobrenome, foi uma das provocações que teve de aturar, especialmente, enquanto o assunto esteve vivo na memória da torcida rubro-negra.
Marcio Theodoro ex-jogador (Foto: Marcelo Barone)Orgulhoso, Theodoro veste a camisa do ano do título nacional e exibe a faixa de campeão (Foto: Marcelo Barone)
– Quando ocorreu, tive que seguir uma linha, manter a postura. O que falei: "Não posso dar ouvido a isso. Tenho que fazer ouvido de mercador." Procurava ignorar. Para mim, foi a melhor forma. Evitava certos ambientes para me resguardar. Incomodar, incomodava. As pessoas tentam, em alguns momentos, que você revide, que fale a alguma coisa. Sempre fui tranquilo. Já escutei coisas como a que você comentou agora. Não tinha o que falar. Procurava manter a tranquilidade. Se me sentisse incomodado, ia para outro lugar. E assim fui levando a vida.
A ferida pela falha, de acordo com Márcio Theodoro, está cicatrizada há algum tempo. O assunto volta e meia é tema de suas conversas. E não é tabu para o ex-jogador falar sobre isso.
– Vinte anos é um bom tempo. Claro que tem a lembrança, sou um ser humano e não posso dizer: "Não lembro de nada, não aconteceu, não foi comigo." Vira e mexe conversam comigo sobre o lance. Aflora um pouco, mas está tudo superado, não tem problema nenhum. Converso com amigos de amigos, que têm curiosidade, perguntam o que aconteceu. Não há nenhum constrangimento em falar.

Apesar do tempo no exterior e de não ser figurinha fácil em peladas de fim de ano, por exemplo, Márcio conta que ainda é lembrado por torcedores nas ruas. A forma de abordar, no entanto, é outra.

– Não vou falar que as pessoas me reconhecem muito, mas aquele torcedor ferrenho, que acompanha o futebol, não adianta... Você chega em algum lugar e ele fica te olhando, toma coragem, encosta e pergunta. O tempo faz as pessoas, no caso do torcedor, absorverem. Naquele momento é de reclamar, contestar. E nós, jogadores, temos de aceitar. Os torcedores de 20 anos atrás estão mais maduros, então é uma abordagem diferente. Ele pergunta, questiona. Àquela altura, depois de dois ou três anos, eles chegavam criticando. Isso era um pouco constrangedor. Não podemos dominar o que o torcedor vai falar. 
Marcio Theodoro ex-jogador (Foto: Marcelo Barone)Márcio Theodoro observa a foto da equipe que levantou o troféu do Brasileirão 20 anos atrás (Foto: Marcelo Barone)
Apesar do início vacilante, o ano de 1995 teve sabor de volta por cima. O Botafogo viria a conquistar o Campeonato Brasileiro. E ainda que não fosse titular, Márcio Theodoro, que entrou em campo ante Criciúma, Internacional e Flamengo, participou da campanha vitoriosa. 

–  Formamos um grupo bacana, de amigos. As pessoas falam de divergência de A e B, mas é como formar uma família: você anda com quem tem mais afinidade. Havia ajuda entra os jogadores. O (técnico Paulo) Autuori manteve a motivação do elenco. Ninguém se sentia reserva. Os rachões eram bem disputados, havia interferência do treinador para ficarem mais suaves... Depois de um certo tempo, via que o Botafogo tinha condições de enfrentar qualquer time, até os que tinham mais estrutura – conta o ex-jogador, enquanto pega o pôster da equipe alvinegra.
A final contra o Santos, no Pacaembu, está gravada na memória do ex-zagueiro. Foi o ápice do time liderado pelo artilheiro Túlio Maravilha, e o título mais expressivo da carreira de Theodoro.

– É uma dificuldade tão grande chegar numa decisão de Brasileiro... Participar, estar num grupo competitivo, muitas vezes é difícil. Foi um ano conturbado para mim no começo, profissionalmente, e depois conquistamos o campeonato. É uma emoção, um sentimento difícil de descrever. Tem jogadores que passam a carreira toda sem disputar uma final de Brasileiro. Fiquei muito feliz mesmo – comenta, saudosista. 
Marcio Theodoro ex-jogador (Foto: Arquivo Pessoal)Theodoro (o primeiro, em pé) durante passagem pelo Vitória de Guimarães, em 2000 (Foto: Arquivo Pessoal)





Em 1996, a oportunidade de respirar novos ares apareceu. De supetão, foi para o Marítimo, de Portugal, para ficar um ano. Permaneceu na Terrinha durante nove. 
– Foi até um escape daquela situação. Nem pensei duas vezes, não vou negar. Foi uma forma de respirar melhor e procurar direcionar minha carreira de outra forma. O Antônio Rodrigues (vice de futebol do Botafogo à época) falou: "Márcio, quer ir para Portugal?" Bateu uma luz na minha cabeça, nem perguntei qual era o clube. Falei: "Quero, quero sim." Fui na correria, não sabia qual era o clube, quem era o treinador, falou-se mais ou menos em valores. Lembro que dois dias depois eu já estava viajando. Chegando lá fui saber que o treinador era o Marinho Perez, que trabalhou no Botafogo, uma grande pessoa. Joguei no Marítimo, e quando acabou o campeonato o Vitória de Guimarães me deu melhores condições. Eram quatro anos de contrato. Para ajustar a vida foi uma coisa boa – explicou Márcio, que também defendeu o Portimonense e o Felgueiras no país.
Marcio Theodoro ex-jogador (Foto: Marcelo Barone)Jogador tem uma mesa de sinuca em sua casa, localizada 
na Zona Oeste do Rio de Janeiro (Foto: Marcelo Barone)
No Vitória de Guimarães passou quatro temporadas. Foi capitão sob comando de Paulo Autuori, seu técnico no Botafogo em 1995. E admite que seu rosto é mais conhecido em Portugal do que no Brasil.

– Se eu for à (Ilha da) Madeira hoje, com certeza serei reconhecido na rua, embora usasse cabelo comprido na época. Lá amadureci mais rápido. Foi gratificante, não tenho do que reclamar.

Em 2006, a saudade do Brasil e da família apertou. Aposentado, Márcio decidiu retornar ao Rio de Janeiro. Casado e pai de duas filhas, ele atualmente trabalha com imóveis, uma atividade que gostava antes mesmo de trilhar carreira no futebol.

– Tentei me preparar antes de finalizar a carreira. Sabia que precisava manter a família, por isso, investi em imóveis, em aluguéis. Hoje em dia arrisco um pouco mais: construo para alugar. Isso tudo com investimento próprio, não são coisas de grande montante. É dessa forma que vivo, construindo e alugando.

Quando ainda buscava seu espaço no futebol, Márcio Theodoro estudava Engenharia na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói. Ele abriu mão dos estudos quando a bola tomou conta da sua rotina.

– Os imóveis são uma paixão antiga. Quando comecei a jogar profissionalmente, tive de optar. Como o futebol dava o retorno necessário para eu viver, parei de estudar. Voltei mais velho e me formei em Análise de Sistemas numa faculdade particular, mas não exerço a função. A construção é minha prioridade, e sinto-me realizado. 

    Varjota  Esportes - Ce.               /             Globoesporte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário