“Um cara que eu nunca nem vi, que estava do meu lado, veio atrás de me agarrar”, conta a torcedora do Fortaleza, que pede anonimato. “Eu fiquei toda errada, com vergonha, não sabia o que fazer. Estava até com meu marido e meu filho. Como foi na hora do gol, ele (marido) nem prestou atenção.
Depois, saí de onde estava com eles e fui para o outro lado”, completa. O assédio deu-se numa partida do time no Castelão, ano passado.
Embora frequentadoras de estádios há bastante tempo, mulheres ainda são alvo de machismos e preconceitos dentro e fora das arenas, em decorrência de um ambiente historicamente machista.
A cena descrita pela torcedora leonina é um dos relatos ouvidos pelo O POVO de mulheres que vão às arquibancadas esportivas para torcer por clubes como Ceará, Ferroviário e Fortaleza.
Para fortalecer a presença feminina nas arquibancadas, o coletivo “Torcedoras do Leão” lançou o projeto “Estádio sem medo”, na semana passada, com o apoio do Fortaleza.
A ação pretende desmistificar a visão de que futebol não é para mulher e de que o estádio não é seguro, além de incentivar torcedoras do Tricolor que, por medo e falta de companhia, deixaram de frequentar os palcos das partidas.
O grupo começou com 300 meninas, mas logo teve mais de 150 solicitações de acolhimento, que inclui desde uma carona amiga até a convivência de torcerem juntas.
Frequentadora assídua de estádios, a professora Clézia Lima, 29, integrante do coletivo, explica que o assédio ainda é algo presente devido à ideia de que o homem “pode tudo”. “Às vezes, pelo fato de a mulher estar desacompanhada. Estou lutando para que sejamos aceitas de forma igual, com respeito”, relata a torcedora, que já teve o limite do contato físico desrespeitado por homens.
A iniciativa é elogiada por torcedoras do Ceará e do Ferroviário, mas, por enquanto, não há indicativo de que a ação será repetida pelas duas torcidas. Os grupos afirmam que já existe um sentimento de acolhimento, mas admitem que o machismo é uma realidade nas arquibancadas.
Torcedora do Alvinegro de Porangabuçu, a educadora física Thaís Lima, 24, conta que a presença feminina é algo comum nos estádios, mas ainda é vista com estranheza. Dois dos seus principais incômodos são o fato de a mulher ter seu conhecimento sobre futebol colocado à prova e a falta de respeito na arquibancada.
“Se você coloca uma roupa curta, vai receber olhares. Vão chegar com alguma conversinha além do futebol, mas você está lá para torcer”, comenta.
A costureira Ana Paula, também de 24 anos e torcedora do Vovô, reclama do tratamento dispensado à mulher como “sexo frágil”. Para ela, isso contribui para a exclusão da participação feminina nas arquibancadas, em certas situações, por torcedores do mesmo clube.
Grosserias travestidas de elogios ou piadas estão entre as intimidações vivenciadas por mulheres no ato de torcer, menciona Fabíola Morais, 29 anos, fanática pelo Ferrão.
“O machismo, o sexismo e a misoginia no futebol devem ser superados através da ocupação dos espaços por nós mulheres”, responde.
MULHERES
Assédios e violências no campo e na arquibancada
O feminino nos estádios não se restringe às arquibancadas. A discriminação atinge diferentes agentes do ambiente, como árbitras, bandeirinhas, jornalistas e líderes de torcida.
A coordenadora das Vovozetes, Daniele Silva, 36, avalia que as líderes de torcida estão entre os alvos femininos que mais sofrem com o preconceito e o assédio dentro dos estádios. “Por conta de os uniformes serem curtinhos, com barriga de fora, os homens, às vezes, abusam de palavras obscenas durante o jogo, ainda que seja uma minoria”, conta ela. “Para você ter uma ideia, tem convite para motel, alguns citam sobre o tamanho das partes íntimas e fazem gestos obscenos com a mão e boca”, detalha.
Para Daniele, que frequenta estádios desde 2001, o problema passa majoritariamente por questões de caráter e educação. “É a criação que se teve. Um homem que não vê respeito em casa e não tem boa índole vai desrespeitar a mulher na rua, no ônibus, no trabalho, e o estádio é só mais um lugar pra ele mostrar isso.”
Fã de futebol e arbitragem, a educadora física Carolina Romanholi, 31, se tornou bandeirinha de em 2004. Apesar da condição de autoridade dentro de campo, ela não passa imune ao preconceito, principalmente vindo das arquibancadas. “Eles acham que mulher tem que estar na cozinha. Já sofri assédio e agressão verbal.”
A presença do machismo do futebol, segundo Carolina, era maior quando ela passou a atuar na arbitragem. O preconceito diminuiu nos últimos anos devido aos avanços das mulheres. “Estamos conseguindo mudar essa visão do torcedor e do jogador com a chegada de mais meninas. Hoje, já temos meninas jogando futebol. Antes, nem clube feminino existia.” (Lucas Mota)
ESTANTE
Três livros indicadas pelas torcedoras
A Verdadeira Regra do Impedimento - A história do futebol feminino cearense, de Karine Nascimento
O Gol de Budi, de Maíra Lemos
Mulheres na Área - Gênero, diversidade e inserções no futebol, organizado por Cláudia Samuel Kessler
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LUCAS MOTA
Varjota esportes - ce. / o povo.
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