Presidente da Portuguesa abre o jogo sobre problemas no clube, cita abandono e promete Arena à la Palmeiras

O presidente da Portuguesa, Antonio Carlos Castanheira © ESPN.com.br O presidente da Portuguesa, Antonio Carlos Castanheira
O time campeão paulista em 1973, taça dividida com o Santos de Pelé e última conquista da Portuguesa na elite do futebol, está fixo na memória de Antonio Carlos Castanheira, 55, presidente eleito no clube em dezembro passado. Foi a equipe que mais o encantou e que até hoje o inspira.
"Fomos campeões com Zecão; Cardoso, Pescuma, Calegari e Isidoro; Badeco, Basílio e Enéas; Xaxá, Cabinho e Wilsinho. O técnico era Otto Glória. É um timaço. Na época, a Portuguesa chegou a dividir o anel superior do Morumbi com a torcida do Santos", disse Castanheira à ESPN, narrando as memórias de um garoto que tinha cerca de oito anos.
Retomar aqueles tempos não é exatamente o que promete Castanheira, prestes a completar o primeiro mês de mandato na Lusa. Até porque os problemas no clube, 47 anos depois daquela conquista, são bem mais complexos e demandam muita energia, paciência e fé para serem solucionados.
A Portuguesa começou a afundar no futebol nacional em 2013, quando foi rebaixada para a Série B pelo STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) pela escalação irregular de Héverton na rodada final do Campeonato Brasileiro. Com sucessivas quedas, este é o terceiro ano consecutivo sem torneios nacionais para jogar.
Centro de Treinamento da Portuguesa, próximo ao Parque Ecológico do Tietê © Rafael Valente/ESPN.com.br Centro de Treinamento da Portuguesa, próximo ao Parque Ecológico do Tietê
A meta, em pleno ano do centenário, é subir da Série A-2 do Campeonato Paulista para a A-1, elite do Estado. Já são cinco edições ausente, o que também representou um baque estrutural. A situação financeira é dramática. Somente a dívida trabalhista passa dos R$ 300 milhões.
Todas as receitas estão bloqueadas pela Justiça há alguns anos, o que requer soluções criativas e esforços pessoais para quitar contas básicas, como água e luz, e outras vitais, como os salários. Castanheira conseguiu pagar antecipadamente os compromissos de janeiro e mostra uma cara nova já no início da gestão.
"Fomos em busca de patrocínio, de parceria, pagamos adiantado os salários. Os parceiros já estão vindo para ajudar. Temos de fazer o acordo trabalhista. Os credores vão ter de entender que eles têm de estar ao lado da Portuguesa para deixar ela respirar, sacudir a poeira, dar a volta por cima e pagar todo mundo", disse.
Antiga área das piscinas no Canindé, sede social da Portuguesa © Rafael Valente/ESPN.com.br Antiga área das piscinas no Canindé, sede social da Portuguesa
A parte social do clube também sofre. A gestão anterior aterrou o parque aquático do clube. O local que, nos anos 60 e 70 chegou a fazer da Lusa a segunda equipe com mais sócios na cidade (mais de 90 mil), não existe nem deve ser reconstruído.
"Isso aqui fervilhava e era muito familiar. Aqui a gente conquistou amigos, conquistou parentes. Eram torcedores que acabaram virando familiares. A minha vida está aqui dentro", disse o presidente. "Apesar dos problemas, meu sentimento é de felicidade pura por estar liderando o time do meu coração. Vamos resolver, vamos para cima".
Por tudo isso que ocorre dentro dos muros da Portuguesa, parece ousado o projeto do mandatário de construir uma arena no lugar do Canindé, com um plano de negócios semelhante ao de Palmeiras/WTorre para o Allianz Parque. É a semente que Castanheira quer deixar para o futuro.
"Vamos fazer uma gestão digna, ajustar o clube e plantar a semente da reconstrução, para que os próximos cem anos sejam de um clube forte".
ENTREVISTA: ANTONIO CARLOS CASTANHEIRA, presidente da Portuguesa
ESPN - De onde vem seu elo com a Portuguesa?
ANTONIO CARLOS CASTANHEIRA - 
Meu pai! Ele me ensinou a amar e a torcer pela Portuguesa. Eram 11 irmãos Castanheira. Todos Portuguesa. Ainda tenho vivo meu tio Toninho, meu tio Alfredo... A referência foram meus familiares, meus tios e meu pai. Nasci aqui dentro. Fui sócio aos seis anos de idade. Minha referência é minha família. Ele foi diretor social na época do doutor Oswaldo Teixeira Duarte e se empenhou muito. Era o fiel escudeiro do doutor Oswaldo. Minha família toda frequentou o Canindé, desde a época das danças, do folclore e das piscinas. A Portuguesa era gigante, socialmente falando. Chegou a ter 90 mil sócios. Só o Juventus, com 110 mil, tinha mais. Então, isso aqui fervilhava e era muito familiar. Aqui a gente conquistou amigos, conquistou parentes. Eram torcedores que acabaram virando familiares. A minha vida está aqui dentro.
ESPN - Qual referência tem da Portuguesa e que o inspira?
ACC - Os times fortes da Portuguesa foram na década de 60, mas a minha década foi a de 70. O time que me marcou foi campeão paulista em 1973. Depois vieram grandes times, em 1975, em 1985... parece até que foi combinado, de dez em dez anos. Depois, em 96, fomos vice-campeões brasileiros com outro timaço. A Portuguesa teve nessas três décadas três grandes times que mereciam ser campeões. Foram os três times que me marcaram, mais aquele de 73 foi mais especial. Na época, a Portuguesa chegou a dividir o anel superior do Morumbi com a torcida do Santos. O tamanho da torcida da Portuguesa era grande demais.
O presidente da Portuguesa, Antonio Carlos Castanheira © ESPN.com.br O presidente da Portuguesa, Antonio Carlos Castanheira
ESPN - Imaginava naquela época um dia estar sentado na cadeira da presidência para salvar o clube?
ACC - Nunca! E te digo como é feliz, apesar dos problemas, estar aqui. É felicidade pura você estar à frente, liderando o time do seu coração. Eu estou muito feliz. Vamos resolver, vamos para cima. Consultei esposa, filhos. Pessoas importantes dentro da Portuguesa. A decisão foi tomada quando eu senti que o problema da Portuguesa dá para ser resolvido. Quando eu notei que isso era uma situação concreta. Eu não tive dúvida de não virar as costas para a Portuguesa. A gente vai se entregar para o clube por três anos. Espero que realmente esse amor que eu tenho pela Portuguesa seja transformado em êxito e sucesso. 
ESPN - Já tem um diagnóstico dos problemas da Portuguesa?
ACC -
Um diagnóstico foi feito, eu tenho entendimento do passivo da Portuguesa. Temos de fazer análise dos últimos balanços. Ainda não foi feito e ele tem de aprovado também. Nesses últimos 15 dias estamos finalizando esse diagnostico financeiro e jurídico para que a gente possa assentar e dar rumo, mas o principal fator é resgatar a credibilidade e o respeito. Já procurei fazer isso no começo da gestão. Fomos em busca de patrocínio, de parceria, pagamos adiantado os salários.
ESPN - Já encontrou parceiros?
ACC - Os parceiros já estão vindo para ajudar. Temos de fazer o acordo trabalhista. Os credores vão ter de entender que eles de têm estar ao lado da Portuguesa para deixar ela respirar, sacudir a poeira, dar a volta por cima e pagar todo mundo. Os credores têm de entender que a Portuguesa tem de continuar de pé. Tem de parar essa asfixia. Vamos fazer um trabalho para ter esse respiro. Eu que já vivi a Portuguesa no âmbito de marketing enxergo esse clube como um canhão. Em 2015, provamos isso. O projeto de patrocínio das padarias foi um sucesso. Fomos até a semifinal da Série B do Brasileiro com o Vila Nova, no Canindé, com 23 mil pessoas. Tem de voltar a acontecer.
ESPN - Qual é a maior barreira a ser derrubada?
ACC - O diagnóstico foi feito no âmbito técnico, jurídico e financeiro, mas eu te falo: é muito mais coração, muito mais apoio, muito mais as pessoas abraçarem a Portuguesa. Afinal isso aqui é uma associação. Vamos fazer e dar cara empresarial, mas a Portuguesa na essência é uma associação. Tem um rumo, mas precisa ser abraçada por todos.
ESPN - Também precisa resgatar a credibilidade e a honra ferida nos últimos anos por gestões que não foram responsáveis?
ACC - Vamos trabalhar. Continua essa herança, mas estamos trabalhando para resgatar a credibilidade e o respeito da Portuguesa. Até para que todos jogadores e funcionários falem: "Vou trabalhar na Portuguesa porque ela honra seus compromissos". Tudo isso passa pelo acordo com os credores. Passa tudo pelo entendimento que os credores têm de ter de que a Portuguesa é séria. A Portuguesa quer resolver. Resolver dentro das condições dela para que ela respire.
O presidente da Portuguesa, Antonio Carlos Castanheira, ao lado do maestro João Carlos Martins © Divulgação Portuguesa O presidente da Portuguesa, Antonio Carlos Castanheira, ao lado do maestro João Carlos Martins
ESPN - Pode falar da dívida atual? Existe uma estimativa de que a dívida trabalhista já passe de R$ 300 milhões?
ACC - Tem auditorias que têm de ser feitas. Não posso falar o passivo porque podem dizer que é de 2016, e tem balanço de 2017 e 2018 para auditar.
ESPN - Mas o passivo trabalhista é o principal?
ACC - Sim, é o trabalhista. Tem civil e fiscal. Mas o trabalhista é o negócio [para resolver]. Vai exigir energia maior. 
ESPN - E quais as medidas a curto prazo para serem tomadas?
ACC -  É a reorganização dos departamentos. Todos os departamentos, como marketing e comunicação, estavam sem comando. Essa reorganização foi imediata. Colocar pessoas competentes em cada setor. Criamos três áreas que não existiam, áreas importantes. Hoje tenho assessor do presidente, que é o Adilson Tavares, criei o departamento de tecnologia, que é o Ezequiel Nascimento Rocha, e criei o departamento de patrimônio para cuidar do CT e do Canindé, com o Artur Cabreira Gomes. 
ESPN - Quais os próximos passos?
ACC - Passa pela situação com os credores e o projeto de desenvolver a Arena. Regularizar a parte trabalhista, dos acordos, buscar um investidor, formatar que nível de empreendimento será feito, o investimento a fazer. E os próprios patrocínios. Futebol também. Futebol tem como fazer algo mais do que vem sendo feito. Você profissionalizando o futebol, as receitas vêm. O trabalho médio e a longo prazo passa por isso: profissionalização total do futebol, na implementação do projeto da arena e, fechando o tripé, a base da Portuguesa. A nossa base é muito forte porque a história da Portuguesa no futebol está ligada a formação na base.
ESPN - Não é ambicioso demais pensar numa Arena com tantos problemas? Qual o plano para colocar uma Arena de pé?
ACC - Tudo começa com acordo e negociações com os credores. Sem isso vamos continuar enxugando gelo e vai continuar essa mesmice. No âmbito do planeamento da arena, os primeiros 18 meses são de reestruturação financeira e jurídica. Então, paralelamente a tudo isso, tem de começar a executar. Dando tudo certo, resolvendo os problemas das penhoras, investidor para uma arena não vai faltar. Aí entraria o segundo passo, entre 18 e 24 meses, que corresponde a montagem dos equipamentos que vão fazer parte da arena. Vai se decidir a área hoteleira, centro de convenção. O que vai ser o anexo. Uma arena coberta, uma arena moderna para fazer eventos de shows. A Portuguesa pode ser a segunda arena de São Paulo para shows.
ESPN - O plano de negócio seria mais parecido com o do Palmeiras ou o do Corinthians?
ACC - Corinthians nada a ver. Mais com o Palmeiras. Mas tem alguns diferenciais que os estudos desses 18 meses vão dizer que nível de arena vamos ter. São duas situações. Uma de repaginação do Canindé. Outro de total reconstrução.
ESPN - Não é um projeto para ser entregue agora.
ACC - Não vai ficar pronto em três anos. São quatro ou cinco anos de obra. Imagino plantar a organização e a semente da construção. Alguém vai colher o fruto.
ESPN - O senhor falou sobre a base, uma base forte, mas a última gestão terceirizou o comando da base. O que fazer?
ACC - Sinceramente, não entendi o que foi feito no período. Sentei em apenas uma reunião. Estava terceirizada. Era uma empresa que estava trabalhando. Eu entendo que a Portuguesa não pode fazer isso. Ela tem de ter o domínio da base dela. Podemos ter parceiros, mas tem de ser compartilhado. A Portuguesa não pode deixar a base nas mãos de terceiros e só olhar o futebol profissional. A história do clube está na formação de jogadores. Vamos deixar a base mais organizada.
ESPN - Não foi só a base que sofreu nesses últimos sete anos. O clube também. Já não existe nem mais o parque aquático...
ACC - Infelizmente, as piscinas não existem mais e o areião também. O clube social está limitado as festas e aos eventos da Portuguesa. Tem ainda uma área desportiva, que é o tênis e o hóquei, onde está o ginásio. A Portuguesa caiu muito nessa parte social, mas está acontecendo em quase todos os clubes. O desenvolvimento dessa área, que está com o Marcos Pires, é retornar com as festas tradicionais da Portuguesa, que já não existem mais. Vamos atrair as pessoas de volta para cá. As piscinas, o assunto que todo mundo acaba tocando, todos os clubes já não estão mais investindo. Piscina quase todo mundo tem no condomínio. O que importa no clube social é o relacionamento. As pessoas têm de voltar para a Portuguesa. Tem muita gente que não pisa mais na Portuguesa. O maestro João Carlos Martins, que é o embaixador do nosso centenário, já não pisava aqui há quatro anos. Foi um privilégio quando ele aceitou o convite e voltou a frequentar o Canindé.
ESPN - Diante de todo esse cenário devastador, o que mais chocou o senhor quando assumiu o comando e tomou ciência dos problemas?
ACC - O abandono. O abandono total, principalmente das pessoas. Não vou nem falar da estrutura porque a gente está aos poucos tentando melhorar. Mas o abandono de sentimento e... [pausa emocionada]. Quando as pessoas falaram "Não ponho mais o pé na Portuguesa, não volto mais para a Portuguesa, não quero saber da Portuguesa... [nova pausa]. Isso dói demais. Sei que falam da boca pra fora, mas dói. Eu nunca falei isso, mas dói.
ESPN - A Portuguesa correu risco de "morrer"?
ACC - A Portuguesa nunca vai morrer. Pode colocar o pior presidente da história, o pior dirigente. E ela nunca vai morrer. [Por quê?] Porque a Portuguesa ainda é paixão. Tem uma comunidade intensa. Sempre vai aparecer um que vai tomar à frente por essa comunidade, por essa paixão, por conta da camisa e do peso. A Portuguesa tem uma comunidade intensa. Tem uma história. Todos gostam da Portuguesa. Ela é patrimônio de São Paulo e do Brasil. Ela pode capengar, pode se arrestar, mas vai levantar, sacudir a poeira e continuar. Não quero ser pretensioso e dizer que vai ser agora na minha gestão. Vou fazer de tudo para plantar essa semente.
ESPN - A Arena não será finalizada até o fim do seu mandato. Então, o que te deixaria com o sentimento de missão cumprida?
ACC - O que vai dar um "Up" no centenário é subir [para a A-1]. Não precisa nem ser campeão. É subir. Se subir, você vai ver uma Portuguesa totalmente diferente pela frente. Agora, entre subir no Paulista e entre fazer a coisa acontecer de forma correta, ainda tem um espaço grande. A gente não pode jogar o peso dessa responsabilidade no treinador, nos jogadores e no executivo de futebol. A responsabilidade é de todos. Da diretoria, de não deixar faltar nada, da torcida, que tem de abraçar, e da comunidade, que tem de voltar. Tem de estar aqui. A responsabilidade desse hiato entre subir e depois decolar, precisa de todo esse conjunto que eu falei.
ESPN - Resumidamente, começar a salvar a Portuguesa?
ACC - O compromisso é tratar a Portuguesa com muito carinho e muito amor. Vamos plantar a semente desses novos cem anos fortes. Cem anos de um clube gigante para que ela volte ao cenário nacional e nunca mais passe por uma situação como desses últimos anos. 

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