Dizem que as lendas não morrem. Caso ganhasse mais dias de crédito cada vez que tentaram “matá-lo” em vida, Pelé, que completa 80 anos nesta sexta-feira, já poderia cogitar a hipótese de ser eterno. A última das tentativas foi em 2 de maio de 2019, quando um meme espalhado no WhatsApp indicava que o maior jogador da história do futebol teria morrido naquela manhã. Porém, resistente aos boatos e ao avanço da idade, Edson Arantes do Nascimento continua bem vivo. Seja no imaginário de quem só o conhece como uma lenda, seja na memória de quem teve o privilégio de vê-lo jogar.
“Estou totalmente convencido: nunca mais vai aparecer nada igual ao Pelé”, crava Pepe, que foi companheiro do Rei do Futebol por mais de 10 anos no Santos. “Foi o único jogador perfeito que existiu. Era um atleta tão completo que, se quisesse jogar no gol, teria sido o maior goleiro de todos os tempos.” Em uma era simbolizada pelos feitos de Messi e Cristiano Ronaldo, as definições de Pepe podem soar como exagero ou camaradagem, mas a certeza de que o trono de Pelé ―eleito o Atleta do Século XX pela FIFA― jamais será ocupado é praticamente uma unanimidade entre os que presenciaram o auge de sua carreira, na década de 1960.
Apesar da amizade que atravessou temporadas, ex-companheiros de Santos relatam que os encontros com Pelé têm sido raros. “Toda vez que ele passa na padaria pra rever os amigos e bater um papo com a gente, é uma confusão só em cima dele, com pessoas querendo foto e autógrafo”, conta Mengálvio, outro integrante do lendário time santista. Hoje, então, poucos conseguem ter acesso ao Rei, que permanece recluso em sua mansão no Guarujá devido aos cuidados adotados desde o início da pandemia. Por constar no grupo de risco para o coronavírus, sobretudo por ter apenas um rim —precisou extrair o outro após levar uma pancada durante uma partida—, ele segue rígida cartilha de isolamento, restringindo o convívio a familiares mais próximos e membros essenciais do staff que administra sua agenda.
Freio na rotina
Ainda patrocinado por uma dúzia de marcas, mesmo 43 anos após ter parado de jogar, o ídolo de várias gerações impôs um freio na rotina de compromissos publicitários. Como resume um de seus assessores, o Rei “está fechado para balanço” ao menos até quando não estiver disponível uma vacina contra a covid-19. Ainda assim, por meio de aplicativos no celular, tem gravado alguns comerciais, ações para ONGs que apoia e, inclusive, vídeos para seu clube do coração —participou de uma conversa online entre os presidentes do Santos e da CBF, para ajudar o clube a pleitear ajuda financeira na confederação. A única companhia ao longo da quarentena é a empresária Márcia Cibele Aoki, sua terceira mulher, com quem se casou em 2016.
Bem antes da pandemia, limitações de mobilidade do ex-jogador já haviam diminuído o ritmo dos eventos sociais de que ele participava. Desde 2012, vem perdendo massa muscular e manca da perna direita por causa de uma cirurgia mal sucedida no quadril, afetado pelos anos desgastantes no esporte de alto rendimento. Também acometido por duas hérnias de disco, passou a se locomover com ajuda de bengalas, andador e, em alguns casos, até de cadeira de rodas. Em aparições recentes, com aspecto físico debilitado, preocupou fãs acostumados ao vigor e energia que ostentava em vários cantos do mundo até pouco tempo atrás.
Numa delas, em 2018, subiu ao palco para o lançamento do Campeonato Carioca apoiado em um andador. Na mesma semana, a Associação de Cronistas de Futebol da Inglaterra anunciou que Pelé havia cancelado sua presença em um evento em Londres por ter desmaiado e sido internado num hospital apresentando um quadro de profunda exaustão. Sua assessoria desmentiu a entidade, informando que o Rei não chegou a ser hospitalizado e preferiu cancelar o compromisso para se dedicar às sessões de fisioterapia em casa. Antes, ele já havia participado do sorteio da Copa do Mundo, na Rússia, sentado em uma cadeira de rodas.
Em abril do ano passado, foi internado às pressas em Paris após participar de um encontro com o atacante francês Kylian Mbappé. Na volta a São Paulo, ficou mais três dias de molho no Albert Einstein tratando de um cálculo renal. O problema no rim já tinha lhe assustado no fim de 2014, ocasião em que parou na UTI por complicações de uma infecção urinária. Meses antes, a rede americana CNN caiu em um boato e noticiou a morte do Rei nas redes sociais, algo que ele próprio viria a negar. “Sou um homem de Três Corações”, brincou Pelé, remetendo à cidade mineira onde nasceu, aos desmentir a informação falsa.
Outra fake news que irritou Pelé surgiu no começo deste ano, depois que seu filho mais velho, o ex-goleiro Edinho, sugeriu em uma entrevista que o pai estivesse com depressão. O ex-jogador fez questão de emitir um comunicado para descartar o suposto quadro depressivo, mas reconheceu que sofre com altos e baixos como qualquer pessoa em sua condição. “Eu estou bem. Tenho meus dias bons e ruins, isso é normal para pessoas da minha idade”, declarou. “Continuo aceitando minhas limitações físicas da melhor maneira possível, mas pretendo manter a bola rolando.”
No entanto, uma notícia que gerou abatimento no Rei foi a da morte de seu irmão caçula, Jair Arantes do Nascimento, conhecido como Zoca, em março. “Que Deus o receba no céu e console nossa família”, escreveu Pelé em suas redes sociais. A perda do irmão, vítima de um câncer de próstata, coincidiu com o início da pandemia, o que deixou o ídolo santista desanimado por algumas semanas. Quando ficava melancólico, antes do declínio físico, Pelé costumava se refugiar e pescar em seu sítio no Vale do Ribeira, interior paulista. Mas as limitações acabaram tornando as escapadas cada vez mais esporádicas, fazendo com que decidisse vender o terreno em 2017.
Embora se sinta bem disposto nos últimos dias, sobretudo pela proximidade de seu octogenário, Pelé não pretende comparecer a nenhuma das diversas homenagens previstas para celebrar a data. Por estar em isolamento e por sempre ter preferido comemorações mais intimistas em aniversários. O Santos reservou uma semana de tributos ao Rei, com direito a sessões de cinema gratuitas para exibir filmes estrelados por Pelé e uma placa comemorativa instalada na Vila Belmiro. Em São Paulo, o Museu do Futebol reabriu na semana passada com uma exposição interativa dedicada aos 80 anos de trajetória do ídolo. No começo do ano, ele já havia ganhado uma estátua no Museu da Seleção Brasileira, no Rio de Janeiro.
Único jogador a conquistar três Copas do Mundo, Pelé também foi bastante lembrado em junho, nos 50 anos do tricampeonato vencido no México. Agora, vê Neymar, outra estrela revelada pelo Santos, se aproximar de seu recorde como maior artilheiro da seleção. O atacante do PSG que, aos 28 anos, não tem nenhum Mundial no currículo, está a 13 gols de alcançar os 77 marcados pelo craque aposentado em jogos oficiais. Todavia, para os súditos do reinado pelesista, não há quem possa ameaçar seu trono como o maior da história. Blindado das polêmicas em torno de possíveis sucessores e dos boatos que agouram seu fim, o Rei só manifesta o desejo por mais reconhecimento de sua obra. “Quero que me reconheçam em vida”, reivindicou ao afirmar não ter medo da morte. “O Brasil é um dos poucos países no mundo em que o ídolo só é bom depois que morre.”
Varjota Esportes - Ce. / MSN.
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