O único dos campeões mundiais de 2005 ainda na ativa quase perdeu a sua medalha da conquista.
Aos 20 anos, ele ainda estava se aclimatando à família da esposa Verônica na época em que trouxe o tricampeonato mundial para o Morumbi com seus colegas do São Paulo, após bater o Liverpool por 1 a 0, em Yokohama
“Eu cheguei na casa dela dizendo para o meus sogro: ‘olha, Sr. Zé, o que eu trouxe para o senhor...’, e ele entendeu que eu estava dando a medalha do Mundial para ele”, contou o zagueiro Edcarlos, 35, ao ESPN.com.br.
“Aí, eu fiquei meio sem jeito, mas cheguei para minha mulher, na época namorada, e falei: ‘teve um mal-entendido aí com o seu pai que você vai ter que resolver’”, relembra-se, dando risada.
“Qualquer outra medalha, eu daria para ele, sem problema. Aquela, não”, diz ele, sobre a relíquia de 18 de dezembro de 2005.
É, afinal, a maior conquista do atual jogador do Juventude de Caxias do Sul, cidade a que chegou em janeiro, da qual gostou muito, e na qual não está. Por conta da pandemia, voltou a viver temporariamente em Salvador, com a família.
Fisicamente, ele está bem, não pensa em parar. Mas já está cansado de ficar longe de casa por longos períodos ou em datas como o réveillon de 2004 para 2005, que passou com colegas de seleção brasileira sub-20 na Granja Comary, em Teresópolis.
'Eu olho aquela falta... e parece que a bola vai entrar! Ele tem que ir na bola antes... e deu sorte! Ele teve uma premonição. Nem o Gerrard acredita que o Rogério chegou naquela falta', completou o comentarista
“Pô, você tá ali, almejando espaço, às vezes bate uma deprê, sim”, confessa.
“Mas arrumaram um instrumentos, a gente fez um samba à meia-noite, deu pra gente fazer uma resenha”, contou.
Messi genial e Rafinha desesperado no Morro do Alemão
O time se preparava na região serrana do Estado do Rio para jogar o Sul-Americano Sub-20 e a Copa do Mundo da categoria, onde Edcarlos enfrentou e marcou Messi.
“Tentei, né?”, encara com bom humor, o jogador que levou um drible do gênio argentino, quase na linha de fundo, no lance que decidiu a partida.
“No Sul-Americano, ele ainda era reserva, não entrava tanto. Mas, no Mundial, ele já era o cara do time”, relembra-se. O 10 do Barcelona foi o principal jogador no título dos hermanos sobre a Nigéria, na Holanda.
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O Brasil tinha ainda Diego Alves (então do Atlético-MG), Diego Souza (no Fluminense), Rafael Sóbis (no Internacional) Fernandinho (do Athletico-PR), hoje no Manchester City, e Diego Tardelli, do Galo (à época no São Paulo).
Os argentinos tinham Gago, Garay e Aguero como maiores nomes - além de Lionel.
Messi abriu o placar com um golaço, aos 6, naquele dia. Bate forte, de fora da área, no ângulo esquerdo do goleiro Renan (Internacional).
"Nem Renan, nem Taffarel, nem todos os goleiros brasileiros pegariam essa bola", narra o locutor da Fox Sports da Argentina, na época.
Renato (Atlético-MG) empataria, aos 30 do segundo tempo, de cabeça, e Zabaleta classificaria os argentinos após assistência de Messi, aos 48.
A bola ainda pega em Fábio Santos, melhor amigo de Edcarlos no futebol, antes de entrar.
O ex-lateral do Corinthians, à época também no São Paulo, como Edcarlos, tinha como seu reserva Filipe Luís (então no Figueirense), hoje do Flamengo.
Na outra lateral, estava o também rubro-negro Rafinha, que ainda não era o brasileiro/alemão experiente de hoje, mas apenas um garoto meio caipra de Londrina que jogava no Coritiba.
Rafinha se juntou a alguns colegas de time para conhecer, em uma espécie de excursão armada por conhecidos de outros jogadores, o Morro do Alemão, no Rio de Janeiro.
Edcarlos, para quem uma comunidade não era novidade alguma, foi fazer outro passeio, mas nunca mais se esqueceu do “rolê” dos colegas.
“Na hora em que eles desceram, a polícia viu aquele grupo e foi perguntar: ‘O que vocês estão fazendo aqui?’. O Rafinha, na hora, de se desesperou, ‘pelo amor de Deus, sr. policial, a gente só foi conhecer, a gente não fez nada, eu preciso trabalhar para sustentar minha família’”, ri Edcarlos.
“O cara só tava perguntando mesmo, não era enquadro”, diverte-se.
O desespero dos ingleses e Mineiro tranquilão
Com a derrota na Holanda, Edcarlos teve que se contentar com “apenas um” Mundial em 2005, com o São Paulo - além do Campeonato Paulista e da Copa Libertadores.
Um título que ele ficou até em dúvida se valia tanto assim, ao chegar no quarto e se deparar com o colega Mineiro, autor do gol, tranquilamente formatando um laptop que tinha comprado na capital japonesa.
“O cara faz o gol do título Mundial e não fica nem aí! Eu até me perguntei, ‘será que estou exagerando?’. Mas claro que valia, pô, o Mineiro é que é sossegado demais”, diz.
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Sossegado como estava o time do São Paulo durante o jogo, por incrível que pareça, jura Edcarlos. Mesmo os ingleses tendo três gols (corretamente) anulados. Ao fim do jogo, o Liverpool somou 14 chutes contra cinco dos brasileiros.
"A gente fez o gol e mesmo sendo atacado, tava muito no jogo, estávamos conscientes e nos defendendo", diz ele.
"Não é que a gente achava que já ganhou, mas às vezes, você vê seu time atacar, atacar, atacar e não fazer, e sabe que não vai conseguir fazer de jeito nenhum. E, às vezes, é o contrário. A gente sente isso", diz.
Não pode recuar: bunda na parede
“Claro que eles vieram muito para cima, e a gente correu demais, marcamos. Danilo voltava para marcar, tínhamos três zagueiro e o Rogério pegava tudo. Mas a sensação no campo é que eles não iam ganhar”, diz.
Quem também era tranquilo era Paulo Autuori. Alguns técnicos, como Luxemburgo, se notabilizaram por preleções emocionais, motivadoras. Autuori, não. Falava da parte técnica e passava confiança, era quase frio.
“Quem falava mais forte e com palavras sábias era o Rogério, nosso capitão. Já rodei muito por esse mundo jogando futebol e nunca vi um capitão como ele”, diz o defensor.
No segundo tempo, com os ingleses martelando tanto e não conseguindo, foi ficando cada vez mais com cara de que nada ia tirar o zero do Liverpool de Rafa Benítez, Xabi Alonso e Gerard do placar.
Os ingleses foram percebendo isso também, na visão de Edcarlos, que os viu irem deixando a fleuma e se converterem quase em ‘sul-americanos’ mostrando nervosismo, desespero e se falando mais em campo.
“Dava para ver, à medida que o tempo passava”, conta.
“Engraçado foi no intervalo, a gente comentando que não podia recuar, que eles viriam para cima. Começa o segundo tempo, com dois minutos, já estamos com a bunda na parede” brinca o defensor.
“Mas era o nosso dia”, diz. “A noite foi muito redonda”, resume.
Amoroso presidente do Whatsapp
A festa no hotel, no Japão, começou com um jantar e teve participação de conselheiros, torcedores e até do ator global Henri Castelli, à época em lua de mel com a modelo Isabeli Fontana.
O rega-bofe nipônico, somado à loucura do time na chegada ao Brasil, dias depois, comprovaram o peso da conquista para o zagueiro.
Edcarlos não chegou ao ponto de formatar um computador na noite do título, mas também não ficou muito no fuzuê.
“Eu era novo demais, tinha 20 anos. Logo fui para o quarto para entrar no MSN e falar com a namorada. Era o WhatsApp da época, né?”, diz.
O aplicativo onipresente de troca de mensagens é hoje o canal de comunicação dos campeões de 2005. E quem organiza tudo é o atacante Amoroso.
“Ele é tudo, presidente do grupo, diretor, assessor de imprensa, faxineiro, ele que comanda”, brinca Edcarlos.
Alegria no Galo
O Mundial não tem comparação, mas Edcarlos tem também uma outra grande alegria no futebol: a conquista da Copa do Brasil de 2014 sobre o Cruzeiro.
Ao seu lado, como na seleção e no São Paulo, estava Fábio Santos. “Eu dei uma força com a diretoria para ele ir para lá”, conta.
“Ele é meu irmão, cheguei a morar na casa dele”, conta.
Juntos, eles eliminaram o Corinthians, ex-clube do lateral, nas quartas da Copa do Brasil com uma vitória por 4 a 1 - com gol decisivo de Edcarlos, aos 42 do 2º tempo.
“Também foi um momento muito especial”, diz.
Órfãos de Edcarlos
Edcarlos também se tornou nome de uma "quase torcida organizada", muito tempo depois de deixar o clube.
Amigos e conhecidos são-paulinos viram no defensor o nome certo para batizar uma espécie de confraria que gostava de assistir aos jogos junta no Morumbi e discutir futebol, política e outros temas em um grupo no Facebook: "Órfãos de Edcarlos"
Até bandeira, o grupo fez, com uma foto do jogador. E quem ia ao Morumbi ver jogos do time, às vezes, ainda pode vê-la.
"O grupo é uma homenagem a ele, que jogou muito quando exigido, e também a outros herois ‘invisibilizados’ pela história", explica o publicitário Marko Mello, um dos participantes.
Edcarlos conhece o grupo e gosta de saber que é lembrado assim.
"Eu achava que era zueira, mas depois meus amigos explicaram que era realmente um reconhecimento", diz ele, que também é exaltado pelos participantes por ter sido caseiro do cantor Beto Jamaica, do "É o Tchan", antes de se se tornar boleiro - mas essa é uma outra história.
Os "Órfãos de Edcarlos" sobrevivem, hoje no Whatsapp. E Edcarlos segue em campo.
Varjota Esportes - Ce. / MSN.
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