“Seria muito bom jogar a Copa de 2014. Ainda mais aqui, em casa”. Tão comum entre os jogadores brasileiros, a frase se torna curiosa e especial com sotaque castelhano. Resume bem o sonho de um chileno que tem amor e raízes com o Brasil. Cláudio Andrés del Tránsito Maldonado Rivera. Nome tão comprido quanto a carreira dele no país. Aos 31 anos, Maldonado completa em 2011 uma década de futebol bem jogado por aqui. É o estrangeiro há mais tempo em atividade.
- O Colo Colo tinha uma dívida com o São Paulo pelo Sierra (ex-meia chileno, que esteve no Morumbi em 1995). O São Paulo queria um jogador que não fosse muito velho, que pudesse dar algo para o clube. Na verdade eu nem estava nos planos. Eles tinham a intenção de ter outro jogador, acho que naquela época era um zagueiro. E aí surgiu a opção de um jogador mais jovem, que desse retorno, e meu nome apareceu. Foi tudo muito rápido na minha carreira. Em 97 eu subi, em 98 jogava pouco, em 99 fui jogando mais e em 2000 estava aqui no Brasil. Mas em nenhum momento passou pela minha cabeça que eu viria para cá. Pensava em ir para um time da Europa, alguma coisa assim.
O jovem volante praticamente não conhecia o horizonte que se apresentava. Havia passado férias com amigos apenas uma vez em São Paulo. Não entendia e nem falava português. Logo ele, que hoje serve de intérprete para o compatriota Fierro e o argentino Darío Bottinelli. Antes de aceitar a transferência, ouviu do próprio Sierra que se tratava de uma grande oportunidade.
- Eu estava com 20 anos e pensei que talvez não teria outra chance de sair do Chile. Foi uma oportunidade que surgiu no momento certo. Depois dali, o Colo Colo faliu, teve de se reestruturar com mudança de treinador, jogadores. Acho que foi um momento preciso.
A adaptação ao São Paulo foi facilitada pela estrutura do clube e pela ajuda dos companheiros, como os zagueiros Álvaro (com quem atuou no Flamengo em 2009) e Jean (que esteve no Flamengo em 2010 e 2011).
- Quando cheguei, só aprendi a xingar todo mundo, as besteiras de sempre (risos). Aos poucos iam me falando, eu ia entendendo algumas coisas. O Rogério (Ceni) me ensinou muita coisa, ele falava um pouco de castelhano. Acho que foi o ano em que mais aprendi português e comecei a fazer amizade com todo mundo e a procurar espaço. Não era qualquer jogador que chegava ao São Paulo naquela época. O Raí ainda estava lá, no último ano dele. Tinha jogadores de um nível muito bom. Cada dia tinha de procurar um espaço. O São Paulo tinha até psicólogo, foram várias reuniões. Tudo o que aprendi devo ao São Paulo. Fiquei três anos lá, consegui mostrar meu trabalho e tive a chance de ir para outros clubes.
Cruzeiro, Santos, uma passagem de um ano e meio pelo Fenerbahçe, da Turquia, até chegar ao Flamengo. No Brasil, são 11 títulos. Os mais importantes: dois Brasileiros (2003 e 2009) e uma Copa do Brasil (2003).
A convite do GLOBOESPORTE.COM, o chileno esteve na redação para falar sobre a década de carreira no Brasil. Falou também sobre o Rubro-Negro, clube com o qual tem contrato até o fim de 2012. E transbordou sinceridade. Segundo Maldonado, o Fla precisa se reorganizar.
- No dia a dia, falta muita coisa para o jogador. Você vai para o treino e olha um vestiário que falta alguma coisa.
A relação com o técnico Vanderlei Luxemburgo e o desempenho do time no restante da temporada também foram temas da conversa. Recuperado de uma segunda lesão grave no joelho esquerdo, espera estar em campo na última rodada do Brasileirão para ser campeão. Não teve essa experiência em 2009, quando se machucou em novembro e, no mês seguinte, comemorou o título apoiado em muletas.
Você está de volta ao time após se recuperar de uma nova lesão no joelho esquerdo. Neste tempo parado, ficou fora de boa parte do Carioca, perdeu a chance de ir à Copa América com o Chile e esteve ausente durante todo o primeiro turno do Brasileirão. Como foi encarar tudo isso de novo?
Foi um momento difícil, acabou acontecendo a segunda lesão, o enxerto da primeira cirurgia rompeu e fiquei parado quatro meses e pouco. Perdi a Copa América novamente, perdi o primeiro turno do Brasileiro todo. Mais uma vez foi uma tristeza ficar fora, novamente passar por tudo aquilo, a recuperação, uma coisa muito ruim. Aos poucos você vai melhorando, tem que ter a cabeça boa. Passei por mais uma e vamos embora.
Pensou em parar em algum momento?
Em nenhum momento. Sou muito jovem, tenho 31 anos. Minha família sempre me apoiou, fiz tratamento todos os dias, o dia inteiro, para voltar novamente. Acho que foi bom. Hoje, estou melhor que na primeira cirurgia. A primeira recuperação foi mais apressada, tinha a Copa do Mundo, queria voltar rápido para a seleção.
O seu corpo reagiu melhor agora?
Reagiu. Minha cirurgia foi muito boa, ia ganhando força. Fiquei uma semana, uma semana e meia de muleta. Não senti dor nenhuma na recuperação. Sentia muito na primeira, no tendão patelar. Essa foi muito boa, os trabalhos foram ótimos.
Então a primeira lesão foi a mais difícil da carreira?
Foi. Poderia ter marcado minha carreira com a Copa do Mundo. Na Copa América, já estive duas vezes. Fica mais distante em 2014, você não sabe como vai estar aos 34 anos. O técnico pode optar por mais jovens. A primeira abalou muita coisa, estava voltando para a seleção dez meses depois, fiquei fora do Mundial, estava mostrando tudo aquilo que eu poderia fazer no Flamengo. Foi a lesão mais dura que tive até hoje, o momento mais marcante da minha carreira.
Mas desistiu da Copa?
Não desisto. Você não sabe o que vai acontecer daqui a três anos. Talvez o treinador precise de você. Eu me cuido, treino bastante, quem sabe? Minha cabeça quer. Se o corpo estiver bem, dá para chegar. Seria muito bom jogar a Copa de 2014. Ainda mais aqui, em casa.
Você fala do Brasil como se fosse brasileiro. Sente saudade de algo do Chile?
Sinto saudades dos amigos, da minha família, meu pai, todo mundo mora lá. Algumas comidas típicas também.
Por exemplo...
Aquele pastel maior, feito só de massa, no forno. O jeito de fazer comida aqui é diferente. Eu fiquei muito tempo morando fora do meu país e quando tenho tempo vejo meu pai cinco dias, dez dias. É pouco. Gostaria de passar mais tempo com ele, mas hoje em dia não tenho. Cada ano que passa, a saudade aumenta mais. Fico pensando se vou voltar para lá. Tenho mulher brasileira, filha brasileira (Renata e Victoria). De repente vou ter de ficar por aqui, morando no Brasil (risos).
Sentia muita. Até pelo jeito das pessoas. Lá era mais complicado, língua complicada. Tinha de andar com tradutor o dia todo. Fui sozinho com a minha mulher. Pelo menos tínhamos um ao outro. Mesmo assim os primeiros meses foram muito complicados. Tive sorte porque conhecia muitos brasileiros lá, eles me ajudaram muito naquele momento, tinham mais tempo, foram muito importantes, abriram as portas para o que eu precisasse. Eu podia contar com eles.
O que você mais gosta do Brasil?
Eu gosto muito do povo, é muito feliz. Por todas as cidades que passei, as pessoas são muito alegres. É muito amigo mesmo e é difícil de achar em outro país. Falo até pelo meu país. As pessoas são mais reservadas, mais sérias, demoram um pouco mais para fazer amizades. Aqui você conhece alguém e no outro dia te ligam para comer em casa, sair com a família. Isso é muito legal no povo brasileiro. E a humildade também. Acho muito bacana isso.
Em dez anos jogando aqui, quais foram as experiências mais marcantes?
Ter vindo para o Brasil foi a melhor coisa que me aconteceu. Conhecer um pouco mais o futebol brasileiro, onde estão os melhores jogadores do mundo. Você vai lembrar sempre que jogou com aquele jogador, que fez sucesso, que foi melhor do mundo. Acho que isso não tem comparação. Ninguém vai pagar por tudo aquilo que tenho vivido aqui no Brasil. Eu acho que aprendi muito também a ser parte do povo brasileiro. Eu me sinto parte do Brasil, são muitos anos. Levo uma vida como seu estivesse morando no Chile, só que com pessoas brasileiras, que são muito boas e querem o melhor para você.
É mais mineiro, paulista ou carioca?
Eu tenho uma mistura. Gosto muito de São Paulo, até porque morei lá três anos e tudo que aprendi foi lá. Em Minas foram três anos muito bons, num clube maravilhoso. E depois morei dois anos em Santos, ao lado de São Paulo. Passei mais tempo em São Paulo. Mas eu e minha mulher estamos adorando morar aqui no Rio. Temos pensado em fazer coisas no futuro aqui. Não posso reclamar de nada. O Brasil me entregou tudo que tenho como jogador.
Você falou de Cruzeiro, São Paulo, Santos. No que o Flamengo está atrás em oferecer ao jogador? O que pode melhorar para chegar perto desses clubes?
Acho que o Flamengo tem de se reorganizar. No dia a dia, falta muita coisa para o jogador. Você vai para o treino e olha um vestiário que falta alguma coisa. Você pensa no que levou a sair de lá (dos outros clubes). Hoje em dia vejo que o Flamengo aos poucos vai melhorando, acertando as coisas. Lógico que não vai ser de um dia para o outro. Vai demorar. Talvez um ano, dois anos. Com relação aos outros clubes, falta ainda muita coisa para fazer. Estrutura, que você pode oferecer de melhor para o jogador, uma fisioterapia boa. O Flamengo tem ótimos fisioterapeutas e tudo, mas precisam de uma estrutura melhor para trabalhar. Um dia eu espero que isso melhore, que o clube possa se acertar, que todo mundo esteja feliz em trabalhar no Flamengo. Acho que isso está faltando.
Fala-se muito na estrutura dos clubes do Rio, mas Fluminense e Flamengo são os dois últimos campeões brasileiros e os quatro clubes estão na parte de cima da tabela do Brasileiro. Como explicar isso?
Um dia comentamos isso. "Nossa, temos tanta dificuldade, o Flamengo passa por cada coisa, e fomos campeões brasileiros". Às vezes, você pega um grupo, que tem uma cabeça boa, diferente, e consegue levar. Às vezes, (estrutura) não faz falta num momento decisivo. Mas às vezes o time entrou numa reta final, e o jogador se machucou, mas o fisioterapeuta não vai fazer milagre porque não tem a estrutura necessária para isso. Ali está a diferença para os outros clubes. O jogador se machucou, mas voltou em duas semanas. E mesmo assim você entra no vestiário e gosta de ver um lugar bem arrumado, que tenha todas as coisas. Mas isso vai muito do grupo. O grupo (de 2009) conseguiu, o Fluminense também conseguiu. É até difícil explicar. Aqui no Rio é mais complicado ainda. Em São Paulo até times pequenos têm uma estrutura boa. Caso do Barueri, que tem estádio muito bom, CT muito bom também. Aqui não acontece isso. Temos de começar a pensar e saber que os meninos que vêm de baixo vão precisar. Eles vão querer algo melhor. O Flamengo, e todos os clubes, deveriam melhorar.
Quando você se machucou, em 2009, sentiu falta de alguma coisa no Flamengo?(Nota: em novembro daquele ano, Maldonado sofreu uma torção no joelho esquerdo durante amistoso entre Chile e Eslováquia. Foram quatro meses de recuperação).
Não senti porque os profissionais são muito bons. E aquele mês que eu precisava mais, dezembro, fiquei tratando todo dia. Depois foram oito, dez dias de férias, aí voltei em janeiro com outro tipo de trabalho. Eu não senti em nenhum momento necessidade de alguma coisa, só na volta. O Daniel (Jouvin, ex-preparador físico) fez um trabalho muito bom, dois meses de trabalho. Tinha de ir para a areia fazer um trabalho diferente. Lá dentro você não tem as coisas de que precisa. Todo dia tinha de ir mudando alguma coisa.
Não estávamos preparados para tudo isso. Começamos 2010 e até na fase de Libertadores não sabíamos o que queríamos. Fomos levando, levando, aconteceram muitos problemas fora do nosso ambiente. No momento de decisão, nós sentimos. Pessoas que estavam com a gente, pessoas que nós gostávamos, amigos, logo depois não estavam mais (o goleiro Bruno e o atacante Adriano). Acho que tudo isso foi passando para o grupo. Você não tem como fugir. Assistindo televisão, todo dia aparecendo alguma coisa com um jogador diferente. Foi complicado. Quando chegamos na reta final da Libertadores, não tínhamos aquela motivação, a força de que precisávamos para a fase final.
Neste ano você nota essa força? O Flamengo pode brigar até o fim do Brasileiro, apesar de estar oscilando?
O trabalho do Vanderlei está sendo muito bem realizado pelos jogadores, mas acho que temos muito a melhorar. Ainda há momentos durante alguns jogos em que ficamos desconcentrados, entregamos algumas jogadas. É isso que tentamos corrigir. Nessa reta final, quando reduzir o percentual de erro, vamos melhorar. É uma fase. É importante que nessa reta final a gente entenda que não tem jogo de volta. Você joga e acabou.
Em 2009, ano do hexa, você saiu do time machucado quase no fim. Volta na hora da arracanda para o título em 2011?
Até me lembrei disso. Naquela vez, fiquei fora dos últimos três jogos. Só que agora volto num momento em que ainda estamos na briga pelo título (o Flamengo é o sexto, com 41 pontos). Seria muito bom pode jogar todas, bater campeão, mas principalmente poder jogar a última. Ganhar dois títulos nacionais com o Flamengo seria importante para a minha carreira.
Como é a relação com o Luxemburgo?
Nós nos conhecemos antes de 2003. Mas foi no Cruzeiro a primeira vez que trabalhei com ele. Temos uma relação boa, de amizade, nos conhecemos bem. Sei quando ele está bravo, não falo com ele nesse dia. Às vezes, ele fala comigo sobre o time. E temos essa coisa de amizade fora do lugar de trabalho (Maldonado namorou uma das filhas do técnico). Em cada time, ele tenta levar alguns jogadores que conhece e sabe que na hora vão responder. Ele sempre faz isso. Ele começa a pensar em cada peça que pode levar e que pode fazer falta naquele momento. Acho que, por tudo o que ganhamos, nos demos bem. Disputamos muita coisa juntos. Ganhamos dois Paulistas seguidos com o Santos, no Cruzeiro de 2003, aqui no Flamengo agora (Carioca). Não tenho uma explicação para ter dado certo. É mais pela confiança. Pode passar um mês fora, mas ele sabe que pode contar com você no dia da final.
O Cruzeiro de 2003 foi o melhor time que você defendeu?
Não. Eu joguei em outros times no São Paulo com melhores jogadores, mas não conseguimos ganhar praticamente nada. Naquela época estavam Kaká, Julio Baptista, Ricardinho, Luis Fabiano, França. Tínhamos um ótimo time, mas não conseguimos. No Cruzeiro de 2003 as peças foram se encaixando. Alguns eram jogadores desconhecidos. Alex era fora de série. Eu, naquele momento, nem era tão conhecido. Tinha saído do São Paulo, mas foi nesse ano que as pessoas começaram a me conhecer mesmo, até pelo que o time fez.
O Flamengo está mais para o São Paulo ou para Cruzeiro de 2003?
Acho que está mais para o Cruzeiro (risos). Temos jogadores diferentes, acho que todo mundo espera que seja como o Cruzeiro. Tranquilo, mas na hora de decidir esteja preparado para dar uma grande surpresa no campeonato.
O quanto você sofreu com o Ronaldinho nos jogos entre Brasil e Chile?
Muito. Temos nos pegado desde 1997, na sub-17. Nunca ganhei deles. Sempre empatava, mas no segundo jogo era 3 a 0 para eles. Era sempre assim. Desde aquela época temos nos enfrentado. Acho muito legal. Temos a sorte de estar juntos, lembramos disso. Um momento muito legal e marcante que tivemos nas seleções.
Ele continua sendo difícil de ser marcado?
Ainda, porque a qualidade é diferente. Um cara como ele não pode ficar sozinho. Ele é diferente. Tem de marcar, ou a qualquer momento ele acaba com o jogo. Ele vai ser importante, já é.
E o Willians, o que acha dele?
Willians tem uma condição física incrível, não para de correr. Tenho de dizer para ele parar um pouco (risos). Ele faz falta quando não joga. O time perde na roubada de bola. Ele sai para o jogo também. A gente precisa muito dele. Ele rouba a bola, mas dá opção.
Já teve seus dias de Willians?
O Maldonado 2003, do Cruzeiro, era assim. Só que levava muito cartão. Vanderlei falava o tempo todo que jogador não joga com a bunda no chão (risos). Era carrinho, falta, roubava a bola. Depois fiquei mais tranquilo, comecei a jogar mais. Hoje em dia não tenho tanto contato, mas uso mais a cabeça. Willians está naquela fase que faz a diferença, é rápido, rouba a bola.
Até numa conversa com o Fierro, disse que não sei por quanto tempo vou ficar no Brasil. Tenho a intenção de voltar para o Chile e jogar um ou dois anos no Colo Colo. Joguei pouco lá. As pessoas lembram de mim somente daquele ano (99). Se tivesse ficado mais tempo, talvez minha história fosse outra. Mas não sei. Enquanto estiver bem comigo mesmo vou jogar, não sei se vão ser três ou quatro anos no Brasil e jogar um pouco no Colo Colo e encerrar a minha carreira. Vou jogar até meu corpo decidir jogar. Quando ele disser que não quer mais, eu vou parar.
Globoesporte.com / Varjota Esportes.
'Maldo', como é chamado pelos colegas, na redação do GLOBOESPORTE.COM (Foto: Richard Souza/Globoesporte.com)
A transferência para o país vizinho se deu por acaso. Maldonado estava no Colo Colo, clube que o revelou, e foi pego de surpresa.- O Colo Colo tinha uma dívida com o São Paulo pelo Sierra (ex-meia chileno, que esteve no Morumbi em 1995). O São Paulo queria um jogador que não fosse muito velho, que pudesse dar algo para o clube. Na verdade eu nem estava nos planos. Eles tinham a intenção de ter outro jogador, acho que naquela época era um zagueiro. E aí surgiu a opção de um jogador mais jovem, que desse retorno, e meu nome apareceu. Foi tudo muito rápido na minha carreira. Em 97 eu subi, em 98 jogava pouco, em 99 fui jogando mais e em 2000 estava aqui no Brasil. Mas em nenhum momento passou pela minha cabeça que eu viria para cá. Pensava em ir para um time da Europa, alguma coisa assim.
O jovem volante praticamente não conhecia o horizonte que se apresentava. Havia passado férias com amigos apenas uma vez em São Paulo. Não entendia e nem falava português. Logo ele, que hoje serve de intérprete para o compatriota Fierro e o argentino Darío Bottinelli. Antes de aceitar a transferência, ouviu do próprio Sierra que se tratava de uma grande oportunidade.
- Eu estava com 20 anos e pensei que talvez não teria outra chance de sair do Chile. Foi uma oportunidade que surgiu no momento certo. Depois dali, o Colo Colo faliu, teve de se reestruturar com mudança de treinador, jogadores. Acho que foi um momento preciso.
A adaptação ao São Paulo foi facilitada pela estrutura do clube e pela ajuda dos companheiros, como os zagueiros Álvaro (com quem atuou no Flamengo em 2009) e Jean (que esteve no Flamengo em 2010 e 2011).
- Quando cheguei, só aprendi a xingar todo mundo, as besteiras de sempre (risos). Aos poucos iam me falando, eu ia entendendo algumas coisas. O Rogério (Ceni) me ensinou muita coisa, ele falava um pouco de castelhano. Acho que foi o ano em que mais aprendi português e comecei a fazer amizade com todo mundo e a procurar espaço. Não era qualquer jogador que chegava ao São Paulo naquela época. O Raí ainda estava lá, no último ano dele. Tinha jogadores de um nível muito bom. Cada dia tinha de procurar um espaço. O São Paulo tinha até psicólogo, foram várias reuniões. Tudo o que aprendi devo ao São Paulo. Fiquei três anos lá, consegui mostrar meu trabalho e tive a chance de ir para outros clubes.
Cruzeiro, Santos, uma passagem de um ano e meio pelo Fenerbahçe, da Turquia, até chegar ao Flamengo. No Brasil, são 11 títulos. Os mais importantes: dois Brasileiros (2003 e 2009) e uma Copa do Brasil (2003).
A convite do GLOBOESPORTE.COM, o chileno esteve na redação para falar sobre a década de carreira no Brasil. Falou também sobre o Rubro-Negro, clube com o qual tem contrato até o fim de 2012. E transbordou sinceridade. Segundo Maldonado, o Fla precisa se reorganizar.
- No dia a dia, falta muita coisa para o jogador. Você vai para o treino e olha um vestiário que falta alguma coisa.
A relação com o técnico Vanderlei Luxemburgo e o desempenho do time no restante da temporada também foram temas da conversa. Recuperado de uma segunda lesão grave no joelho esquerdo, espera estar em campo na última rodada do Brasileirão para ser campeão. Não teve essa experiência em 2009, quando se machucou em novembro e, no mês seguinte, comemorou o título apoiado em muletas.
Você está de volta ao time após se recuperar de uma nova lesão no joelho esquerdo. Neste tempo parado, ficou fora de boa parte do Carioca, perdeu a chance de ir à Copa América com o Chile e esteve ausente durante todo o primeiro turno do Brasileirão. Como foi encarar tudo isso de novo?
Foi um momento difícil, acabou acontecendo a segunda lesão, o enxerto da primeira cirurgia rompeu e fiquei parado quatro meses e pouco. Perdi a Copa América novamente, perdi o primeiro turno do Brasileiro todo. Mais uma vez foi uma tristeza ficar fora, novamente passar por tudo aquilo, a recuperação, uma coisa muito ruim. Aos poucos você vai melhorando, tem que ter a cabeça boa. Passei por mais uma e vamos embora.
Pensou em parar em algum momento?
Em nenhum momento. Sou muito jovem, tenho 31 anos. Minha família sempre me apoiou, fiz tratamento todos os dias, o dia inteiro, para voltar novamente. Acho que foi bom. Hoje, estou melhor que na primeira cirurgia. A primeira recuperação foi mais apressada, tinha a Copa do Mundo, queria voltar rápido para a seleção.
O seu corpo reagiu melhor agora?
Reagiu. Minha cirurgia foi muito boa, ia ganhando força. Fiquei uma semana, uma semana e meia de muleta. Não senti dor nenhuma na recuperação. Sentia muito na primeira, no tendão patelar. Essa foi muito boa, os trabalhos foram ótimos.
Então a primeira lesão foi a mais difícil da carreira?
Foi. Poderia ter marcado minha carreira com a Copa do Mundo. Na Copa América, já estive duas vezes. Fica mais distante em 2014, você não sabe como vai estar aos 34 anos. O técnico pode optar por mais jovens. A primeira abalou muita coisa, estava voltando para a seleção dez meses depois, fiquei fora do Mundial, estava mostrando tudo aquilo que eu poderia fazer no Flamengo. Foi a lesão mais dura que tive até hoje, o momento mais marcante da minha carreira.
Mas desistiu da Copa?
Não desisto. Você não sabe o que vai acontecer daqui a três anos. Talvez o treinador precise de você. Eu me cuido, treino bastante, quem sabe? Minha cabeça quer. Se o corpo estiver bem, dá para chegar. Seria muito bom jogar a Copa de 2014. Ainda mais aqui, em casa.
Você fala do Brasil como se fosse brasileiro. Sente saudade de algo do Chile?
Sinto saudades dos amigos, da minha família, meu pai, todo mundo mora lá. Algumas comidas típicas também.
Por exemplo...
Aquele pastel maior, feito só de massa, no forno. O jeito de fazer comida aqui é diferente. Eu fiquei muito tempo morando fora do meu país e quando tenho tempo vejo meu pai cinco dias, dez dias. É pouco. Gostaria de passar mais tempo com ele, mas hoje em dia não tenho. Cada ano que passa, a saudade aumenta mais. Fico pensando se vou voltar para lá. Tenho mulher brasileira, filha brasileira (Renata e Victoria). De repente vou ter de ficar por aqui, morando no Brasil (risos).
Maldonado com a filha Victoria, que nasceu em SP
(Foto: Cadu Machado / Master Sports & Mkt)
No tempo em que ficou na Europa, você sentiu falta do Brasil?(Foto: Cadu Machado / Master Sports & Mkt)
Sentia muita. Até pelo jeito das pessoas. Lá era mais complicado, língua complicada. Tinha de andar com tradutor o dia todo. Fui sozinho com a minha mulher. Pelo menos tínhamos um ao outro. Mesmo assim os primeiros meses foram muito complicados. Tive sorte porque conhecia muitos brasileiros lá, eles me ajudaram muito naquele momento, tinham mais tempo, foram muito importantes, abriram as portas para o que eu precisasse. Eu podia contar com eles.
O que você mais gosta do Brasil?
Eu gosto muito do povo, é muito feliz. Por todas as cidades que passei, as pessoas são muito alegres. É muito amigo mesmo e é difícil de achar em outro país. Falo até pelo meu país. As pessoas são mais reservadas, mais sérias, demoram um pouco mais para fazer amizades. Aqui você conhece alguém e no outro dia te ligam para comer em casa, sair com a família. Isso é muito legal no povo brasileiro. E a humildade também. Acho muito bacana isso.
Em dez anos jogando aqui, quais foram as experiências mais marcantes?
Ter vindo para o Brasil foi a melhor coisa que me aconteceu. Conhecer um pouco mais o futebol brasileiro, onde estão os melhores jogadores do mundo. Você vai lembrar sempre que jogou com aquele jogador, que fez sucesso, que foi melhor do mundo. Acho que isso não tem comparação. Ninguém vai pagar por tudo aquilo que tenho vivido aqui no Brasil. Eu acho que aprendi muito também a ser parte do povo brasileiro. Eu me sinto parte do Brasil, são muitos anos. Levo uma vida como seu estivesse morando no Chile, só que com pessoas brasileiras, que são muito boas e querem o melhor para você.
É mais mineiro, paulista ou carioca?
Eu tenho uma mistura. Gosto muito de São Paulo, até porque morei lá três anos e tudo que aprendi foi lá. Em Minas foram três anos muito bons, num clube maravilhoso. E depois morei dois anos em Santos, ao lado de São Paulo. Passei mais tempo em São Paulo. Mas eu e minha mulher estamos adorando morar aqui no Rio. Temos pensado em fazer coisas no futuro aqui. Não posso reclamar de nada. O Brasil me entregou tudo que tenho como jogador.
Você falou de Cruzeiro, São Paulo, Santos. No que o Flamengo está atrás em oferecer ao jogador? O que pode melhorar para chegar perto desses clubes?
Acho que o Flamengo tem de se reorganizar. No dia a dia, falta muita coisa para o jogador. Você vai para o treino e olha um vestiário que falta alguma coisa. Você pensa no que levou a sair de lá (dos outros clubes). Hoje em dia vejo que o Flamengo aos poucos vai melhorando, acertando as coisas. Lógico que não vai ser de um dia para o outro. Vai demorar. Talvez um ano, dois anos. Com relação aos outros clubes, falta ainda muita coisa para fazer. Estrutura, que você pode oferecer de melhor para o jogador, uma fisioterapia boa. O Flamengo tem ótimos fisioterapeutas e tudo, mas precisam de uma estrutura melhor para trabalhar. Um dia eu espero que isso melhore, que o clube possa se acertar, que todo mundo esteja feliz em trabalhar no Flamengo. Acho que isso está faltando.
Fala-se muito na estrutura dos clubes do Rio, mas Fluminense e Flamengo são os dois últimos campeões brasileiros e os quatro clubes estão na parte de cima da tabela do Brasileiro. Como explicar isso?
Um dia comentamos isso. "Nossa, temos tanta dificuldade, o Flamengo passa por cada coisa, e fomos campeões brasileiros". Às vezes, você pega um grupo, que tem uma cabeça boa, diferente, e consegue levar. Às vezes, (estrutura) não faz falta num momento decisivo. Mas às vezes o time entrou numa reta final, e o jogador se machucou, mas o fisioterapeuta não vai fazer milagre porque não tem a estrutura necessária para isso. Ali está a diferença para os outros clubes. O jogador se machucou, mas voltou em duas semanas. E mesmo assim você entra no vestiário e gosta de ver um lugar bem arrumado, que tenha todas as coisas. Mas isso vai muito do grupo. O grupo (de 2009) conseguiu, o Fluminense também conseguiu. É até difícil explicar. Aqui no Rio é mais complicado ainda. Em São Paulo até times pequenos têm uma estrutura boa. Caso do Barueri, que tem estádio muito bom, CT muito bom também. Aqui não acontece isso. Temos de começar a pensar e saber que os meninos que vêm de baixo vão precisar. Eles vão querer algo melhor. O Flamengo, e todos os clubes, deveriam melhorar.
Quando você se machucou, em 2009, sentiu falta de alguma coisa no Flamengo?(Nota: em novembro daquele ano, Maldonado sofreu uma torção no joelho esquerdo durante amistoso entre Chile e Eslováquia. Foram quatro meses de recuperação).
Não senti porque os profissionais são muito bons. E aquele mês que eu precisava mais, dezembro, fiquei tratando todo dia. Depois foram oito, dez dias de férias, aí voltei em janeiro com outro tipo de trabalho. Eu não senti em nenhum momento necessidade de alguma coisa, só na volta. O Daniel (Jouvin, ex-preparador físico) fez um trabalho muito bom, dois meses de trabalho. Tinha de ir para a areia fazer um trabalho diferente. Lá dentro você não tem as coisas de que precisa. Todo dia tinha de ir mudando alguma coisa.
Maldonado foi treinado por Vanderlei Luxemburgo
em sua passagem pelo Santos (Foto: AP)
Como foi para você sair de um hexacampeonato em 2009, começar um ano que prometia com a Libertadores, mas que tudo deu errado?em sua passagem pelo Santos (Foto: AP)
Não estávamos preparados para tudo isso. Começamos 2010 e até na fase de Libertadores não sabíamos o que queríamos. Fomos levando, levando, aconteceram muitos problemas fora do nosso ambiente. No momento de decisão, nós sentimos. Pessoas que estavam com a gente, pessoas que nós gostávamos, amigos, logo depois não estavam mais (o goleiro Bruno e o atacante Adriano). Acho que tudo isso foi passando para o grupo. Você não tem como fugir. Assistindo televisão, todo dia aparecendo alguma coisa com um jogador diferente. Foi complicado. Quando chegamos na reta final da Libertadores, não tínhamos aquela motivação, a força de que precisávamos para a fase final.
Neste ano você nota essa força? O Flamengo pode brigar até o fim do Brasileiro, apesar de estar oscilando?
O trabalho do Vanderlei está sendo muito bem realizado pelos jogadores, mas acho que temos muito a melhorar. Ainda há momentos durante alguns jogos em que ficamos desconcentrados, entregamos algumas jogadas. É isso que tentamos corrigir. Nessa reta final, quando reduzir o percentual de erro, vamos melhorar. É uma fase. É importante que nessa reta final a gente entenda que não tem jogo de volta. Você joga e acabou.
Em 2009, ano do hexa, você saiu do time machucado quase no fim. Volta na hora da arracanda para o título em 2011?
Até me lembrei disso. Naquela vez, fiquei fora dos últimos três jogos. Só que agora volto num momento em que ainda estamos na briga pelo título (o Flamengo é o sexto, com 41 pontos). Seria muito bom pode jogar todas, bater campeão, mas principalmente poder jogar a última. Ganhar dois títulos nacionais com o Flamengo seria importante para a minha carreira.
Títulos de Maldonado no Brasil | |
---|---|
Clube | Campeonatos |
São Paulo | . Paulista: 2000 e 2002 · Rio-São Paulo: 2001 |
Cruzeiro | . Mineiro: 2003 e 2004 · Brasileiro: 2003 · Copa do Brasil: 2003 |
Santos | . Paulista: 2006 e 2007 |
Flamengo | . Brasileiro: 2009 . Carioca: 2011 |
Nós nos conhecemos antes de 2003. Mas foi no Cruzeiro a primeira vez que trabalhei com ele. Temos uma relação boa, de amizade, nos conhecemos bem. Sei quando ele está bravo, não falo com ele nesse dia. Às vezes, ele fala comigo sobre o time. E temos essa coisa de amizade fora do lugar de trabalho (Maldonado namorou uma das filhas do técnico). Em cada time, ele tenta levar alguns jogadores que conhece e sabe que na hora vão responder. Ele sempre faz isso. Ele começa a pensar em cada peça que pode levar e que pode fazer falta naquele momento. Acho que, por tudo o que ganhamos, nos demos bem. Disputamos muita coisa juntos. Ganhamos dois Paulistas seguidos com o Santos, no Cruzeiro de 2003, aqui no Flamengo agora (Carioca). Não tenho uma explicação para ter dado certo. É mais pela confiança. Pode passar um mês fora, mas ele sabe que pode contar com você no dia da final.
O Cruzeiro de 2003 foi o melhor time que você defendeu?
Não. Eu joguei em outros times no São Paulo com melhores jogadores, mas não conseguimos ganhar praticamente nada. Naquela época estavam Kaká, Julio Baptista, Ricardinho, Luis Fabiano, França. Tínhamos um ótimo time, mas não conseguimos. No Cruzeiro de 2003 as peças foram se encaixando. Alguns eram jogadores desconhecidos. Alex era fora de série. Eu, naquele momento, nem era tão conhecido. Tinha saído do São Paulo, mas foi nesse ano que as pessoas começaram a me conhecer mesmo, até pelo que o time fez.
O Flamengo está mais para o São Paulo ou para Cruzeiro de 2003?
Acho que está mais para o Cruzeiro (risos). Temos jogadores diferentes, acho que todo mundo espera que seja como o Cruzeiro. Tranquilo, mas na hora de decidir esteja preparado para dar uma grande surpresa no campeonato.
O quanto você sofreu com o Ronaldinho nos jogos entre Brasil e Chile?
Muito. Temos nos pegado desde 1997, na sub-17. Nunca ganhei deles. Sempre empatava, mas no segundo jogo era 3 a 0 para eles. Era sempre assim. Desde aquela época temos nos enfrentado. Acho muito legal. Temos a sorte de estar juntos, lembramos disso. Um momento muito legal e marcante que tivemos nas seleções.
Ele continua sendo difícil de ser marcado?
Ainda, porque a qualidade é diferente. Um cara como ele não pode ficar sozinho. Ele é diferente. Tem de marcar, ou a qualquer momento ele acaba com o jogo. Ele vai ser importante, já é.
E o Willians, o que acha dele?
Willians tem uma condição física incrível, não para de correr. Tenho de dizer para ele parar um pouco (risos). Ele faz falta quando não joga. O time perde na roubada de bola. Ele sai para o jogo também. A gente precisa muito dele. Ele rouba a bola, mas dá opção.
Já teve seus dias de Willians?
O Maldonado 2003, do Cruzeiro, era assim. Só que levava muito cartão. Vanderlei falava o tempo todo que jogador não joga com a bunda no chão (risos). Era carrinho, falta, roubava a bola. Depois fiquei mais tranquilo, comecei a jogar mais. Hoje em dia não tenho tanto contato, mas uso mais a cabeça. Willians está naquela fase que faz a diferença, é rápido, rouba a bola.
Maldonado na época do Cruzeiro: 'bunda no chão'
(Foto: Fotocom)
Você acha vai jogar no Brasil por mais quanto tempo?(Foto: Fotocom)
Até numa conversa com o Fierro, disse que não sei por quanto tempo vou ficar no Brasil. Tenho a intenção de voltar para o Chile e jogar um ou dois anos no Colo Colo. Joguei pouco lá. As pessoas lembram de mim somente daquele ano (99). Se tivesse ficado mais tempo, talvez minha história fosse outra. Mas não sei. Enquanto estiver bem comigo mesmo vou jogar, não sei se vão ser três ou quatro anos no Brasil e jogar um pouco no Colo Colo e encerrar a minha carreira. Vou jogar até meu corpo decidir jogar. Quando ele disser que não quer mais, eu vou parar.
Globoesporte.com / Varjota Esportes.
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