Aloísio Chulapa foi garçom em dois títulos mundiais do São Paulo. Primeiro, literalmente, trabalhando assim; depois, metaforicamente, na linguagem do futebol, dando de bandeja para Mineiro o gol da vitória de 1 a 0 sobre o Liverpool em 2005. Foi o maior momento da carreira do jogador, que agora defende o Grêmio Maringá – deve ser seu último clube antes da aposentadoria.
A bola, na metade do primeiro tempo, partiu de Fabão. Chulapa recebeu de costas para o gol, afastado da área, e sua missão básica seria dar fluência à jogada, fazer a bola circular por Danilo e ir se posicionar para concluir. Mas que nada. De pronto, ele resolveu acionar Mineiro, volante que se intrometia na área inglesa. De três dedos, deixou o colega na cara do gol. “Foi um passe de Ronaldinho Gaúcho do Paraguai”, disse ele na época.
- Aquilo foi de uma hora pra outra. Não era pra ser aquilo. Era jogada ensaiada. Eu ia me apresentar, o Fabão ia passar, e eu ia ajeitar pro Danilo. Quando ela veio, não dava pra ajeitar. Quando virei, o Mineirinho veio gritando: “Chulaaaaaaa, sooooltaaaaa!”. Fui lá e toquei na medida. Nunca mais acerto um passe daqueles na vida – diverte-se, quase dez anos depois, o atacante.
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Aloísio Chulapa tem pôster do São Paulo campeão mundial em sua casa no interior alagoano (Foto: Alexandre Alliatti)
O passe marcou a trajetória de Chulapa no Morumbi e consolidou o São Paulo como principal clube da carreira dele. Em sua casa em Atalaia, as paredes em volta da churrasqueira onde ele recebe os amigos estão repletas de referências ao Tricolor. Um dos muros do pátio tem um desenho dele abraçando Rogério Ceni no Japão. As chuteiras que usou contra o Liverpool também estão expostas no local, protegidas por uma redoma.
- O São Paulo foi uma paixão incondicional. Foi ali onde fui conhecido internacionalmente. Aonde eu vou, o povo me conhece. Sou ídolo mesmo. Ali eu joguei com amor. Sei que o dinheiro é bom, às vezes tem gente que só vai para os times pelo dinheiro, para tapear, mas eu, não. Quando botava aquela camisa no corpo, era para comer a grama do Morumbi. Saía todo rasgado de campo. Além de ser são-paulino doente, eu estava ali realizando um sonho, de jogar no meu time no coração. E dava a vida.
Se não fossem ele e seu passe de três dedos, sabe-se lá o que seria do São Paulo naquele jogo. E Aloísio Chulapa teve um caminho improvável até se tornar um dos protagonistas do título. Em 14 de julho, cinco meses antes do Mundial, estava no Morumbi com a camisa do Atlético-PR - disputando, contra o São Paulo, o título da Libertadores. Havia feito gol no primeiro jogo, em empate por 1 a 1 no Beira-Rio – a Arena da Baixada não foi liberada para a partida. No calor do jogo na capital paulista, foi convidado por Rogério Ceni para trocar de lado: para virar jogador do São Paulo. E ficou revoltado. "Tá com medo de levar outro de cabeça, é?", disse ao goleiro.
A contratação, porém, só foi finalizada em 11 de novembro, quase quatro meses depois da final da Libertadores – e apenas um mês antes da decisão do Mundial. Chulapa chegou ao Morumbi como complemento em um elenco repleto de atacantes: Amoroso, Grafite, Thiago Ribeiro, Christian. E, surpreendentemente, virou titular.
Muro na casa de Aloísio Chulapa tem desenho dele abraçando o "patrão" Rogério Ceni (Foto: Alexandre Alliatti)
Ele tem enorme gratidão ao técnico Paulo Autuori por isso. Entende que o treinador apostou nele mesmo ciente do risco que corria – da cobrança que sofreria caso a escolha fracassasse.
- O Autuori pediu para eu fazer o pivô. Antes, eram o Amoroso e o Luizão. O Luizão foi embora, mas tinha o Christian, o Thiago Ribeiro e o Grafite. Ele podia escolher um dos três que tavam lá há mais tempo. Eu sabia que a responsabilidade ia ser grande. Se desse errado, a cobrança nele e em mim ia ser f... Iam dizer: “Pô, o cara chegou agora. Por que não botou o Christian, o Thiago, o Grafite?”
A estreia de Aloísio pelo São Paulo foi no Mundial. Ele foi titular já nas semifinais, na vitória de 3 a 2 sobre o Al-Ittihad, da Arábia Saudita. Sofreu o pênalti convertido por Rogério Ceni, o mesmo que o convidara para jogar pelo clube, o mesmo com quem discutira no gramado do Morumbi – hoje, são amigos pessoais, e Chulapa chama o goleiro de “patrão”.
As chuteiras que Aloísio Chulapa usou no Mundial do Japão (Foto: Alexandre Alliatti)
Ceni foi a referência técnica e a liderança daquele time. Fechou o gol contra o Liverpool depois do gol de Mineiro. Antes, mobilizou o elenco usando uma declaração de Gerrard, craque do time inglês.
- O patrão foi o cara do jogo. O Gerrard falou no jornal que o Liverpool era imbatível. O Rogério Ceni pegou o jornal e botou na sala de jantar. E disse: "Não tem motivação maior que essa". A gente entrou concentradíssimo. Mas sabia que ia pegar um dos melhores times da Inglaterra, 13 jogos invicto, 13 jogos sem tomar um gol. E o bandeirinha anulou três gols daqueles... Um impedimento de quase uma unha. Aquele jogo foi minha decolagem. Depois daquilo, o São Paulo me comprou.
O São Paulo de hoje
Aloísio Chulapa ficou no São Paulo até 2008. Foi para mais uma final de Libertadores no ano seguinte ao título mundial. Perdeu para o Inter – e terminou como um dos artilheiros do torneio, com cinco gols. No Brasileirão, emendou os títulos de 2006, 2007 e 2008. Foi para o Catar, retornou ao Brasil para jogar, sem sucesso, no Vasco, passou pelo Ceará e aí começou a circular por clubes menores. Seguiu, o tempo todo, acompanhando o São Paulo como torcedor – e sendo tratado como ídolo. Chamou Rogério Ceni para a inauguração de uma escolinha em Atalaia e recentemente esteve em jogo festivo no Morumbi.
Chulapa acredita que o atual São Paulo deveria se espalhar naquele de dez anos atrás. Ele vê muita qualidade no atual elenco tricolor.
- Hoje, só tem fenômeno: Pato, Ganso, Luis Fabiano, Michel Bastos, que era um monstro no Lyon. É um time da p... Mas igual àquele time não tem, não. Sabe o que encaixava? Nós. Sabe o filme "Gladiador"? Quando ele junta todos e diz "ou nós todos nos unimos, ou morremos juntos"? Era isso. O Rogério Ceni, quando terminava a preleção, dizia: “Vai ser 1 a 0 e acabou. Não vai entrar nada. É bola na área para o Chulapa, ou para o Lugano, ou para o Fabão”. E todo mundo se matava. Eu ia parar na lateral direita. O Leandro ia para a esquerda. Era Cicinho, era Júnior, era Josué. Era perfeito. O São Paulo não tinha estrela nenhuma quando conquistou três Brasileiros e um Mundial. Era o patrão (Ceni) e o Amoroso. O resto era Danilo, Josué, Mineiro, Júnior, Cicinho, Fabão, Lugano, Edcarlos. Era um time em que um corria pelo outro. Um ajudava o outro.
O atacante, aos 40 anos, por onde anda, é parado por são-paulinos, que fatalmente lembram do passe para o gol do Mineiro. São gratos a ele pelo lance. Mas tem um sujeito que fica particularmente comovido quando o encontra.
- Rapaz, o Mineiro, quando me vê, só falta chorar...
Varjota Esportes - Ce. / Globoesporte.
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