A manhã desta terça-feira foi diferente para o volante Nando Carandina, 29. Um dos destaques do Santo André no Campeonato Paulista, ele acordou disposto a cumprir normalmente o último dia de home office pela equipe do ABC. Amanhã, será um dos tantos desempregados do Brasil.
O país registrava 11,9 milhões de pessoas sem trabalho formal em janeiro, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Não é tão simples medir o mesmo dado no futebol, embora o número de jogadores que ficam inativos quando terminam seus contratos seja grande.
Só no Santo André serão 19 nessa semana. Até o final do mês, outros dois também terão os vínculos encerrados. O Água Santa terá 21 até 30 de abril, enquanto a Inter de Limeira, 18.
Os três clubes foram promovidos da Série A2 para a primeira divisão do Campeonato Paulista no ano passado e têm as menores folhas salariais entre os 16 participantes.
Sem divisões nacionais no calendário, o orçamento é cobertor curto. A receita depende dos patrocínios e do dinheiro que vem da TV Globo pela transmissão dos jogos. Ambos tiveram as parcelas do último mês suspensas por causa da quarentena do coronavírus.
Com o dinheiro contado, esses clubes costumam fazer contratos até o final da fase classificatória do Estadual, mas com cláusulas que possibilitam ampliar o vínculo por mais um mês, se necessário. É o que aconteceria com Nando.
O Santo André já estava com vaga encaminhada para as quartas de final no momento em que a competição foi interrompida por causa da pandemia do novo coronavírus. O clube somava os mesmos 19 pontos do Palmeiras, mas com uma vitória a mais (6x5).
“Eu tenho uma economia para me manter por uns dois ou três meses sem clube, no máximo. Ter uma reserva foi algo que o próprio futebol me ensinou. No começo da carreira, quando eu ganhava pouco e mal pagava as contas mensais, eu ficava desempregado quando os torneios acabavam. Geralmente eram três meses de contrato e só. Depois, quando passei a ganhar um pouco melhor, comecei a poupar para suportar períodos de dificuldade”, disse Nando.
Aos 29 anos, ele tem no currículo camisas como a de Paysandu, Bragantino e São Caetano. Com exceção da equipe de Belém, não chegou a jogar por um grande do futebol nacional.
Fez dez jogos na campanha do Santo André, e espera arrumar um bom contrato depois.
Desempregado, Nando disse que não pretende se descuidar. Afirmou que vai continuar com uma rotina de treinos em casa, com auxílio de amigos e preparadores, que o orientam por WhatsApp.
Por causa da quarentena, ele voltou para a Araras, interior de São Paulo. Está ao lado dos pais, a quem costuma ajudar, e da namorada. Até quando ficará lá é difícil saber.
Diferenças
Para muitos, o Paulistão é a única chance de chamar à atenção de uma equipe com calendário e condições financeiras melhores. Foi o que aconteceu com o atacante Ronaldo, 28, outro jogador do Santo André que ficará sem contrato nesta semana. O vínculo dele é até sexta, dia 10.
“Assinei um pré-contrato com o Sport a partir de 11 de abril. Por causa do coronavírus, o clube iniciou um período de férias até 20 ou 21 desse mês. O diretor de futebol já tinha conversado comigo, dizendo que, apesar de tudo, o que foi combinado vai se mantido”, disse Ronaldo.
O atacante tem dois filhos pequenos (sete e dois anos) e é casado. Por segurança, continua com a esposa em Santo André, evitando ter que pagar aluguel em Recife antes da hora.
“Eu sempre me planejo para os meses seguintes e agora, vendo o noticiário em relação ao coronavírus, eu fui mais cauteloso. Infelizmente, não é assim para a maioria. Para muito, o Paulistão é um tiro no escuro. É tentar jogar bem, aparecer e contar com algum clube interessado. Ficar parado é complicado. Até porque as equipes menores, que têm poucas condições para investir dão preferência para quem está em atividade, para quem eles podem observar”, acrescentou.
É uma situação que remete a Ricardo Luz, 25, companheiro de Ronaldo e lateral direito do Santo André. O contrato dele com o clube vai até a próxima quinta-feira. E ele não tem para onde ir.
“Antes da quarentena, meu empresário até recebeu algumas sondagens e acho que poderia ter encaminhado algo se não fosse o coronavírus. Agora, vou ter que ter paciência e esperar, torcendo para que passe rápido e aparece algum time para me contratar”, disse Ricardo Luz.
O jogador retornou para a cidade de Timóteo, interior de Minas Gerais, onde está morando com os pais e próximo da namorada. Tem treinando em home office, mas está preocupado.
“Meu pai é aposentado, não ganha tanto, e eu não tenho uma reserva boa. Estou muito preocupado, torcendo para passar logo isso. Acho que ainda não é o caso de um plano B”, disse.
O “Plano B” seria tentar ganhar dinheiro de outra forma. O que é difícil para a maioria dos jogadores, pois eles iniciam na base dos clubes por volta dos 11 anos. Muitos abandonam os estudos e mal têm tempo de aprender ou tentar alguma outra profissão formalmente.
“Eu cheguei a ajudar um tio no trabalho de reforma de sofás e bancos de moto e carro. Eu desmontava os bancos para ele e ganhava um dinheirinho para ajudar os meus pais. Foi tudo que fiz fora do futebol. Estou desde cedo nesse mundo. Foi com 16 anos que comecei a me firmar”, disse.
Quase dez anos depois, não é a primeira vez que Ricardo Luz se vê em dificuldade.
“Já aconteceu outras vezes de terminar um contrato e ficar sem clube. A pior vez foi em 2017. Eu estava no Social-MG e quando acabou o campeonato fiquei quase quatro meses casa. Aí apareceu uma equipe, mas quando eu fui ver as condições não era nada do que eu esperava. Fiquei mais um mês sem jogar. Aí apareceu o Democrata e tudo melhorou”, disse para a reportagem.
Foi na equipe de Sete Lagoas, também no interior de Minas, que Ricardo Luz começou uma sequência por Guarani-MG, Atlético-GO, Araxá, Brasil de Pelotas e Santo André.
Acreditava que jogar o Campeonato Paulista pela primeira vez o ajudaria a conseguir um contrato melhor depois. E tudo caminhava bem. A campanha do time, a posição de titular, mas não contava com a paralisação pela pandemia do novo coronavírus.
“Vou procurar treinar todos os dias, manter a forma física e ver se arrumo algum clube para jogar quando tudo voltar. Uma pena o que aconteceu. A gente estava muito bem. Acho até que seria justo o título para o Santo André. Nunca vou esquecer do meu primeiro Paulistão”, disse.
Varjota Esportes - Ce. / MSN.
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