Micael, goleiro do Atlético Sorocaba na derrota de 9 a 0 sob suspeito no sub-20 (Foto: Emilio Botta)
A derrota do Atlético Sorocaba por 9 a 0 para o Santo André, pelo Campeonato Paulista sub-20 de 2015, é um dos jogos investigados pelaoperação "Game Over", encabeçada pelo Drade (Delegacia de Repressão aos Crimes de Intolerância Esportiva).
Micael Ivo dos Santos, escalado para aquele jogo do time sub-20 (mesmo tendo apenas 16 anos na época), disse ao GloboEsporte.com que os jogadores do Sorocaba fizeram o que foi pedido no vestiário, sem deixar claro se a ordem era para perderem a partida por uma diferença tão grande de gols. Ele demonstrou desconforto ao ser questionado sobre o assunto.
– Infelizmente foi um negócio que aconteceu em cima da hora, mas fui para o jogo bem e com a consciência tranquila que não tive culpa de nada. Sobre aquele campeonato eu não tenho que falar, não sei explicar direito o que aconteceu, foi muita dor de cabeça para nós, mas é isso. Não fiquei sabendo de nada, só fiz o que me pediram e foi só isso mesmo – disse Micael.
O vice-presidente de futebol do Atlético Sorocaba, Benedito Sampaio, se diz surpreso com as denúncias e afirma que o clube jamais participou de qualquer tipo de negociação para entregar uma partida. Ele diz ter ficado escandalizado com a derrota de 9 a 0.
– O Atlético Sorocaba não tem nada a ver com essa situação. É lamentável que isso esteja se falando por aí. Podemos errar tentando acertar na gestão do futebol, no entanto, corrupção não existe. O que ocorreu é que fizemos uma parceria no ano passado, com um grupo que veio tocar o sub-20. Vimos o resultado, ficamos escandalizados, mas aí dizer que tenha alguma manipulação, para nós desconhecemos – disse Sampaio.
ENTENDA O MOTIVO DAS SUSPEITAS
O relatório de investigação dos 9 a 0 do Santo André sobre o Atlético Sorocaba, ao qual oGloboEsporte.com teve acesso, foi feito pela empresa Indexxdata, que trabalha em parceria com a Fifa. O documento destaca o placar "surpreendentemente alto" e descreve o cenário de que a partida foi jogada na primeira fase, com o Sorocaba sem chances de classificação.
Em seguida, o documento traz a investigação do jogo, apontando que o Santo André terminou o primeiro tempo vencendo por 1 a 0. Em 39 minutos, porém, marcou oito gols. Três jogadores do Sorocaba receberam cartões vermelhos, e o técnico também foi expulso.
Ainda de acordo com a investigação, o Atlético Sorocaba teria disputado a partida com jogadores Sub-17 e Sub-16 (dentre eles, o goleiro Micael). Jogadores Sub-20 estavam completamente ausentes. Micael diz não saber "o que aconteceu naquele dia".
Outro jogador do elenco do Atlético Sorocaba ouvido pela reportagem afirmou, sob a condição de não ter sua identidade revelada, que "todo mundo sabe que aquele jogo foi vendido". Ainda de acordo com esse atleta, o Sorocaba teve outra partida com resultado manipulado naquele Campeonato Paulista Sub-20, e também por 9 a 0: derrota para o São Paulo, em Cotia (no jogo em Sorocaba, as mesmas equipes haviam empatado por 0 a 0).
– O jogo contra o Santo André foi vendido, complicado alguém admitir isso, mas todos sabem que foi. No jogo contra o São Paulo, também tivemos que entregar o resultado – disse o jogador, que pediu para não ser identificado.
Outro atleta, também com a condição de não ser identificado, relatou ao GloboEsporte.com o seguinte:
– Só cinco jogadores sabiam, mas aí começamos a jogar normal, até que estava dando só nós no jogo (sic), aí decidiram falar pra todos e que era pra gente tomar três gols e depois poderíamos jogar normal. Mas aí desanimamos e tomamos nove. Contra o São Paulo foi a mesma coisa. E contra o Santo André tinha que fazer um pênalti eu acho, não lembro muito bem.
CLUBE EM CRISE
Rebaixado para a Série A3 do Campeonato Paulista deste ano, o Atlético Sorocaba está em um dos seus piores períodos desde a sua fundação, há 25 anos.
Na elite do Paulistão por quatro anos (2004, 2005, 2013 e 2014), o Atlético Sorocaba sofre com o fim dos investimentos da Igreja da Unificação, fundada pelo coreano Reverendo Sun Myung Moon, que morreu em setembro de 2012. A seita é dona do clube desde 2000 e parou de colocar dinheiro no futebol em 2013.
Benedito Sampaio, vice-presidente do Atlético Sorocaba (Foto: Emilio Botta)
Desde então, o clube passou a procurar parceiros para dividir os custos e a gestão do futebol. A parceria na temporada passada com o time sub-20 seria, segundo o vice-presidente do Atlético Sorocaba, Benedito Sampaio, o que poderia explicar a suspeita de manipulação de resultados.
Sampaio diz não entender o que o goleiro Micael quis dizer com ter feito "o que lhe pediram".
– Para a gente ele nunca falou isso, ele é de 1999 e é muito jovem. Estamos alheios com o que tenha acontecido no vestiário, nunca nos passaram alguma coisa, não ficamos sabendo de nada. É lamentável que o nome do Atlético Sorocaba esteja sendo dito por aí relacionado a manipulações. Nunca o Atlético fez na sua história isso e nunca fará. Agora, parcerias infelizmente não têm nada a ver com a instituição, não sei o que eles fazem. Se tem essa máfia no Brasil, eles devem ter feito isso em outro local – disse Sampaio.
A OPERAÇÃO GAME OVER
As prisões realizadas na manhã desta quarta-feira pela Polícia Civil no Rio de Janeiro, São Paulo e Ceará fazem parte da operação denominada "game over", criada para combater a manipulação de resultados no futebol. As investigações foram baseadas, além de grampos telefônicos, em relatórios sigilosos de empresas especializadas no ramo.
Elas já trabalham de forma pró-ativa de olho no mercado brasileiro, identificado como próximo grande alvo das quadrilhas asiáticas que fraudam resultados esportivos. O GloboEsporte.com teve acesso aos relatórios sigilosos que embasam as denúncias contra os presos nesta manhã. Os documentos mostram detalhadamente a oscilação de apostas antes e durante os jogos, com a movimentação suspeita que aponta a fraude.
Esse tipo de relatório, de acordo com um executivo de uma dessas empresas especializadas consultados pela reportagem, só é feito em casos de suspeita muito forte de manipulação.
Um dos presos nesta quarta é Márcio Souza, 36 anos, atacante que atuou por oito anos na Indonésia, onde teria tido contato com quadrilhas de apostadores. No Brasil, servia como ponte com intermediários responsáveis por convencer atletas e treinadores a combinar resultados. Ele jogou no país por Entrerriense (2004), Mesquita (2008) e Nova Iguaçu (2009). Nesses clubes, ele era conhecido como "Márcio Orelha".
Outro jogador preso foi o goleiro Carlos Luna, de 33 anos, que atuou no América de Rio Preto no ano passado. De acordo com a delegada Kelly de Andrade, da Polícia Civil de São Paulo, as sete prisões realizadas nesta quarta-feira em operação contra uma quadrilha que manipula resultados no futebol fazem parte apenas da primeira fase da investigação, que pode ser maior.
Nenhum comentário:
Postar um comentário