Na mesma decisão em que livrou Neymar e o Barcelona de crimes fiscais na Espanha, o juiz José de la Mata Amaya apontou várias irregularidades na esfera esportiva.
De la Mata arquivou a ação movida pelo grupo DIS nesta sexta-feira por entender que não há indícios de crime no caso – os investidores se dizem vítima de uma fraude orquestrada para esconder o valor real da negociação.
O juiz, entretanto, aponta que essas irregularidades não devem ser consideradas no caso criminal, do qual é responsável, e por isso as ignora em sua decisão.
Na decisão de 39 páginas, a que o GloboEsporte.com teve acesso, o juiz também analisa as consequências desportivas do acordo e conclui que o atleta, o pai dele, Neymar da Silva Santos, a N&N Consultoria – empresa da família – e o Barcelona passaram por cima do regulamento de transferências da Fifa.
– Parece óbvio que o Barcelona, Neymar Júnior, (Neymar) da Silva Santos e N&N descumpriram as obrigações estatutárias da Fifa para contratação de jogadores – escreve ele.
O juiz espanhol cita como os envolvidos burlaram as regras:
– Não respeitaram o contrato que Neymar Júnior tinha firmado com o Santos; não comunicaram por escrito o Santos de sua intenção de abrir (e fechar) negociações; não solicitaram autorização do Santos para tal fim; negociaram dentro do período de validade do contrato e fora do marco permitido dos últimos seis meses; e chegaram a fazer (o Barcelona) e receber (a N&N) pagamentos milionários apenas oito dias antes de uma partida importante para a história desportiva do Santos a que Neymar Júnior estava ligado – completou De la Mata.
Depois, ele pontua que esses episódios não interferem no processo criminal:
– Seja qual for o valor que estas circunstâncias mereçam, o certo é que suas repercussões desportivas, éticas e disciplinares estão fora do âmbito deste processo e não afetam a relevância penal dos feitos objetos desta investigação.
A "partida importante" para a história do Santos, a que o juiz se refere, é a final do Mundial de Clubes de 2011, quando os brasileiros foram derrotados pelo Barcelona por 4 a 0. Oito dias antes do confronto, a N&N Consultoria recebeu 10 milhões de euros dos catalães como adiantamento para a transferência que seria concluída em 2013.
No total, a empresa recebeu 40 milhões de euros – os 30 milhões de euros restantes foram pagos quando o negócio foi concretizado.
O juiz também cita que o adiantamento fere o regulamento da Fifa por caracterizar um acordo muito anterior aos seis meses finais de contrato de um jogador, quando a ele é permitido assinar um pré-contrato com outro clube. À época, o acordo de Neymar com o Santos era válido até 2014.
Principal argumento do pai de Neymar para justificar a negociação, uma carta do Santos em que ele era autorizado a conversar com outros clubes é considerada válida pelo juiz no caso criminal. No entanto, De la Mata vê problemas no documento do ponto de vista esportivo.
– Não consta que o Santos autorizava expressamente o Barcelona a realizar negociações com o jogador Neymar Júnior. Na realidade, o que fez foi pedir a (Neymar) da Silva Santos, ainda que já estivesse em curso o processo de negociação, que conseguisse uma autorização do Santos para negociar com quaisquer outros clubes.
Se, na visão do juiz, a carta não servia para negociar Neymar dentro das regras da Fifa, o própria De La Mata ressalva que ela basta para que, na esfera criminal, fosse considerada válida para que o negócio se realizasse.
– Da perspectiva que agora interessa, o Barcelona dispunha de um documento que autorizava o jogador a negociar com outros clubes distintos do Santos e a alcançar acordos sobre sua transferência sem outros limites que os indicados.
Esses trecho da decisão deverá ser usado pelos dirigentes do clube paulista na arbitragem que existe na Fifa. O Santos pede cerca de 65 milhões de euros, a diferença entre os 17,1 milhões de euros que recebeu na venda a estimativa de 82 milhões de euros que é considerada como o valor total da negociação.
A reportagem tentou contato com a assessoria de imprensa de Neymar e das empresas de sua família, mas ainda não obteve resposta. Procurada, a Fifa informou que não pode confirmar se há investigações em andamento sobre este caso.
ARQUIVAMENTO
No entendimento da Justiça da Espanha, não houve crime na negociação. A decisão pelo arquivamento afirma que os contratos realizados paralelamente tinham objetivos reais, que foram cumpridos – como os amistosos acertados entre Santos e Barcelona, e a preferência por três atletas da base alvinegra, pela qual os catalães pagaram 7,2 milhões de euros.
A DIS vai recorrer da decisão. A empresa vai apresentar um recurso no início da semana que vem para uma instância superior da Justiça Espanhola.
– Entendemos ter todos os indícios para uma modificação da decisão. E vamos levar isso para o colegiado de três juízes que vai julgar o recurso – declarou o advogado da DIS no caso, Paulo Nasser.
A empresa alega ter direito a 40% do que o que Barcelona pagou pela transferência de Neymar, o que pode chegar – sempre segundo a DIS– a 32 milhões de euros (cerca de R$ 116 milhões).
Após o arquivamento, o pai de Neymar desabafou em uma rede social e atacou a DIS:
– Atacaram minha família de todas as formas, as mais gananciosas e inescrupulosas possíveis. Levaram meu filho a Audiência Nacional na Espanha, um dos dias mais tristes da minha vida, processaram a mãe dos meus filhos, nos acusaram de corruptos e tentaram de todas as formas arranhar a imagem de nossas empresas. Assusta-me saber que eles continuam no futebol "comercialmente". Sempre acreditei na justiça de Deus. Hoje fico satisfeito por ter sido feita a justiça dos homens. Mas, repito, não tenho o que comemorar... Vamos trabalhar.
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