Bruninho e um dos muitos balões de gás que viravam bola de vôlei (Foto: Arquivo pessoal)
Aquela quadra era a melhor e mais bonita que ele conhecia. O sofá virava rede. Quadro, mesa e outros objetos funcionavam como linhas. Os que não haviam sido quebrados pela bola de vôlei, claro. Para evitar que a sala fosse destruída, Vera Mossa e Bernardinho substituíram o peso dela pela leveza de uma bexiga de gás. Sem o peso da outra, o pequeno Bruno passou a ter de executar os movimentos com mais capricho para fazê-la "passear" até o local que queria que chegasse. As partidas com os pais famosos passaram a ter ainda mais graça e deixavam nítidas duas características que seguem fortes até hoje: a competitividade e o apuro pela técnica. Nunca gostou de perder, nem na brincadeira. Ficava muito bravo quando isso acontecia ou quando percebia que os "adversários" tinham facilitado uma vitória ou outra. Queria provar que podia. Ainda nem sabia escrever direito e surpreendia ao colocar os nomes das jogadoras do Perugia (onde os pais trabalhavam no início da década de 90), com letrinhas tortas, para fazer os scouts.
Bruninho e Vera Mossa (Foto: Arquivo pessoal)
Alguns foram guardados pela família. Assim como a lembrança dos pitacos que ousava dar sobre atletas, desde os 7 anos, e que Bernardinho adora recordar. Daquele menino, o levantador da seleção de 30 anos diz carregar a mesma paixão pelo esporte que quase lhe deu as costas. Nesse domingo, ele inicia a caminhada por seu terceiro pódio em Olimpíadas. O primeiro desafio será contra o México, às 11h35.
- Toda a trajetória dele foi bem difícil. Primeiro por não saber se ia conseguir jogar vôlei pela altura. Bruno nunca largou a bola, era a companheira dele desde sempre. Eu queria chegar do treino descansar e tinha que jogar mais (risos). Fez ginástica dos 4 aos 5 anos, mas não tinha flexibilidade, fez natação, futebol, tentou o tênis. Por um bom tempo jogou badminton bom em Campinas porque não se conformava de só ficar treinando vôlei. Ele queria competir, viver disso, só que era novo e não tinha campeonato. Ficou dois anos sem vôlei e eu realmente me preocupei quando ele voltou. Pensava: será que vai conseguir realizar, ter sucesso? E ele ficou preocupado porque demorou para crescer, ficou baixinho por bastante tempo. Fez 14 anos e não deu o estirão. Não tinha 1,70m, era bem magrinho, mirradinho. Ele começou como ponteiro passador e só pensava em chegar a 1,90m. Via o irmão crescendo, mas ele não. Durante muito tempo ele ficou preocupado com isso - disse a ex-jogadora.
Bruninho, Bernardinho e Vera na Itália (Foto: Arquivo pessoal)
A altura desejada foi alcançada. E trouxe com ela a condição de batalhar por um lugar ao sol. Esbarrou em comparações com os pais, e quando chegou à condição de jogador de seleção sofreu com a reprovação de parte da torcida. Vera não se esquece do dia em que o filho recebeu vaias no palco olímpico. Estava de casa, vendo tudo pela televisão. No Pan de 2007, pouco depois do corte de Ricardinho às vésperas da estreia, uma vaga se abriu e a simples ida para a área de saque provocou uma reação comumente destinada a adversários. Junto com aquele som vieram críticas que machucaram por muito tempo, que sugeriam sua efetivação por ser filho do treinador. O episódio é considerado até hoje por Bernardinho como um dos momentos mais duros de sua carreira.
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- Ele passou por todo esse processo de ser reconhecido como bom jogador apesar dos pais, e ainda hoje a missão continua sendo complicada. Tudo é muito difícil, as conquistas sempre muito complicadas. Faz um bom tempo que não ganham nada e tem essa pressão. Quando teve toda aquela discussão, quando entrou na seleção, eu me perguntava: Como ele consegue aguentar? Eu teria falado um monte. Não esperava aquela vaia, fiquei angustiada, pedia só por proteção. E ele parecia preparado para aquilo, falava para que ficasse sossegada. Segurou de uma forma e continuou treinando, mostrando que estava ali porque merecia. Bruno é diferenciado, tem essa personalidade de enfrentar coisas difíceis de uma forma normal, essa maturidade que vem desde que tinha 12 anos. Costumo dizer que é uma criatura que veio pronta para a vida. Se dá bem com todo mundo, tem a compreensão de relacionamento com as pessoas - lembra a mãe.
Mesmo que seja visto como uma pessoa equilibrada, Bruninho resolveu apostar numa preparação melhor para poder ajudá-lo a lidar melhor com derrotas, a não se deixar levar por qualquer sentimento que possa prejudicá-lo durante a Olimpíada. Há um ano e meio optou pela mudança.
- Hoje tenho um mental coach (treinador mental) e consigo entender muito mais as emoções. Não é nem muito como controlar as suas emoções, mas como conseguir voltar o mais rapidamente possível nos momentos de tensão, nos momentos que você errou, em que está mais inseguro. Como lidar com as derrotas. Antes me cobrava muito mais. E ele falou assim: "Você nunca vai conseguir sair de um jogo sorrindo. Tem gente que vai conseguir fazer isso, mas não é o seu caso. O que você precisa aprender é voltar ao seu estado normal o mais rápido que puder." Eu ficava dois dias sofrendo. Agora faço uma reflexão ali, fico meio na minha, e a partir de amanhã é um novo dia. São coisas que me fizeram amadurecer e me ajudam muito - admitiu.
Bernardinho com o pequeno Bruninho
(Foto: Arquivo pessoal)
(Foto: Arquivo pessoal)
No último ano, numa das muitas conversas com a mãe, disse que seu foco seria total. O poder de observação, tão exaltado por ela como sua melhor característica como jogador, foi intensificado. Era assim desde pequeno. Enxergava até o que Vera não via, repetia movimentos dos saques de Ida e de Carlão. Nesta temporada, passou a tentar ousar mais, criando novas jogadas com Earvin Ngapeth e Lucão no Modena.
- Tinha um entrosamento, uma facilidade de jogar junto, e o técnico deixava a gente muito livre. E isso me fez tentar coisas novas. Venho tentando aqui na seleção implementar isso. Em momentos de tensão, você tem que tentar controlar um pouco essa ousadia, ser mais racional ali, mas acho que isso é fundamental para continuar evoluindo. Hoje sei que Deus me deu um talento para jogar vôlei. Não perco um jogo na TV e os caras falam: "Pô, Bruno, você é maluco. Vai ver vôlei de novo?". Pode ser jogo de qualquer liga. É difícil de explicar, é uma paixão que vem de criança. Para ser levantador você tem que trabalhar muito para ter mais precisão. Mas acho que confiança é algo que facilita muito. É você jogar sem pensar tanto, sem tanta tensão, buscando coisas novas e isso, de certa forma, te faz crescer, ter uma evolução. Percebi isso no Ricardinho. A cada título do Brasil, parecia que melhorava porque tinha mais confiança naquilo. Era como se estivesse jogando sempre sem a responsa (sic). As pessoas falavam: "Ricardinho é maluco". Mas ele foi ganhando essa confiança. Foi um gênio, deslanchou na seleção por causa disso, porque jogava de uma maneira que era muito ousada - afirmou Bruninho.
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Se fora de quadra o levantador é apontado pela mãe como alguém "muito desligado, capaz de perder muitas coisas, sobretudo carregadores de celulares", dentro das quatro linhas o nível de concentração é bem diferente. Está empenhado e disposto a fazer a alquimia da medalha ganha em Londres (em seus primeiros Jogos como titular) no Rio. E terá na arquibancada do Maracanãzinho a esperançosa Vera, dona de um cobiçado ingresso na final.
- Ele tem muita fé. Depois da prata de 2012, ficou muito triste, deprimido. Mas entendeu que tinha que seguir em frente. Vai ser bem difícil o torneio, está tão equilibrado que não dá para apontar favorito. Mas eu já tenho meu ingresso para a decisão (risos).
E desta vez, in loco, pretende ouvir os aplausos destinados ao filho e seus companheiros.
Varjota Esportes - Ce. / Globoesporte.
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