Se curtidas no Facebook fossem pesquisa de torcida, Guaiçara poderia dizer que é metade fiel. A cidade localizada na região centro-oeste do estado de São Paulo, a 440km da capital é a que possui a maior concentração de pessoas que curtiram o perfil oficial do Timão no Facebook (50,5%). Os dados, frutos de um levantamento da rede social em parceria com o GloboEsporte.com, são indícios de que o bando de loucos têm presença maciça na cidade. E há quem veja coincidências até na praça da entrada da cidade - onde tremula a bandeira oficial do município. Isso porque a bandeira tem, além do brasão, quatro listras horizontais, duas nas cores verde e amarelo – referência óbvia ao Brasil – e as outras duas em preto e branco.
Nas ruas tranquilas da cidade realmente há uma grande quantidade de torcedores do Timão.
– Sou corintiano desde nascença. Aqui em Guaiçara com certeza o Corinthians predomina. Aqui tem um bando de loucos, de loucas, e até de crianças corintianas – garante o radialista Cristiano Augusto Fitas.
O comerciante Luciano Rogério Crechiari ratifica o que o amigo Cristiano diz e reforça o predomínio de corintianos na cidade.
– Por aqui só encontramos corintianos – empolga-se Luciano.
O que nem Luciano, nem Rogério, e nenhum outro guaiçarense sabem explicar ao certo é essa vocação alvinegra. Alguns até arriscam invocar a existência de um time amador de futebol, nos tempos em que Guaiçara ainda era distrito de Lins, que possuía um escudo similar ao do Corinthians, com âncora e remos, e que teria gerado a paixão. Mas não há registros oficiais deste time.
O CORINTIANO-MOR
Roberto Carlos Cardoso Gomes, mais conhecido como Beto Biriba, é uma figura emblemática e folclórica de Guaiçara. Ele é conhecido na cidade por... ser corintiano! Vestido com seu figurino clássico e cotidiano – abrigo todo preto da torcida organizada que ele representa, colares e pulseiras com pingentes do escudo do clube e de seu padroeiro, São Jorge –, Beto Biriba posa para fotos com naturalidade. E não tira a indumentária corintiana nem diante do calor de mais de 30 graus.
Na entrada de Guaiçara, bandeira com preto e branco é um indício da vocação corintiana da cidade (Foto: Sérgio Pais)
É chamado a todo momento por pedestres e motoristas para um aceno ou um cumprimento. A impressão inicial é que todos na cidade o conhecem. Fama que ele desdenha.
– Já estou acostumado [com o assédio]. Sou assim e me visto assim os 365 dias do ano, é como me sinto bem, é a minha segunda pele. Ganhei mais fama e amigos ainda no ano passado, quando trouxe o Marcelinho Carioca para a quermesse, que é muito boa aqui na cidade. Mas não sou uma personalidade, sou apenas mais um no bando de loucos – discursa Beto, fitando o horizonte por trás de seus óculos de modelo aviador.
Parte de seu sucesso, até mesmo entre os poucos torcedores de times rivais, Beto Biriba credita à sua personalidade, que ele classifica como de “boa praça” e até de pacifista.
– No interior é diferente, a rivalidade nunca descamba para a violência. Não tenho inimizades, nem mesmo com os palmeirenses. Corintiano tem fama de maloqueiro e briguento, mas por aqui não, somos de paz – diz ele, pouco antes de ser interrompido por alguns estudantes para uma selfie na praça.
A “SEDE” DOS LOUCOS
O local de encontro dos corintianos em Guaiçara poderia ser um bar ou mesmo a praça central, mas é a casa de Beto Biriba, uma residência humilde que mais parece um santuário de adoração ao Corinthians.
Tudo lá dentro remete ao Timão. Itens de decoração, bandeiras, canecas, tapetes, quadros, capa de sofá, cortinas, pôsteres de várias épocas, flâmulas. No guarda-roupas, apenas camisas, calções, abrigos, bonés e toalhas com motivos corintianos.
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A casa, que estampa na fachada uma placa de nome rua “adulterada” para Rua São Jorge, é pintada nas cores preto e branco e tem a calçada estampada com o nome da torcida organizada que Beto representa na cidade.
– Aqui tudo remete ao Corinthians, tudo é preto e branco, até meu cachorro, que se chama Timão. E não tem nada verde – diz o torcedor, em referência ao rival Palmeiras.
A placa falsa de rua não é o único exagero que Biriba faz em nome de sua paixão.
– Tempos atrás dei queixa de que havia perdido meu RG para pedir uma segunda via, esta sim feita com foto minha usando a camisa do Corinthians. Pena que o documento oficial de identidade no Brasil tem bordas verdes, por mim deveria ser em preto e branco – lamenta.
PAIXÃO ALVINEGRA
O casal de funcionários públicos Michael e Méricla Nogueira protagoniza mais uma história de paixão sem limites pelo Corinthians que marca a vida dos guaiçarenses. No caso deles, o Timão teve participação decisiva na definição do destino da relação. Em 2012, os corintianos Michael e Méricla já estavam há mais de três anos juntos quando uma promessa lançada pelo fanático torcedor mudou o rumo do namoro.
– Durante uma festa de família, o aniversário do meu pai, o Michael falou que, se o Corinthians fosse campeão da Libertadores, a gente se casaria. Em meados de 2012 o Timão foi campeão e em janeiro de 2014 ele não teve como escapar: nos casamos – relembra Méricla.
Hoje, os dois “loucos” pelo Corinthians moram em uma casa que tem cômodos revestidos de branco e preto, como o banheiro, e que praticamente não possui mais espaço para tantos objetos com alusão ao time de coração. No guarda-roupa de Michael, mais de 20 camisas, “todas oficiais”, destaca o funcionário público.
FUTURO GARANTIDO
E não são só os marmanjos que disseminam a fama de que Guaiçara é a cidade mais corintiana do país. Uma visita à Escola Municipal de Educação Fundamental Henrique Hunger revela que o futuro dessa vocação alvinegra parece garantido na cidade. Em uma sala com 27 alunos na faixa dos 8 aos 10 anos, 22 deles (81,5%) se declararam corintianos – uma lavada, percentualmente muito maior que o número de internautas guaiçarenses que curtiram a página oficial do Timão.
A professora Renata Cristina Bertolino, corintiana, diz que dia pós-jogo do Timão é complicado (Foto: Sérgio Pais)
– Na minha família só tem eu e minha prima que somos corintianos, mas mesmo assim resolvi torcer para o Corinthians porque acho legal ser corintiano – diz Guilherme Martins, de 8 anos.
A professora Renata Cristina Bertolino confirma o predomínio do Corinthians na preferência dos alunos desta idade.
– A maioria esmagadora é mesmo formada por corintianos. Quando tem jogo, e principalmente se o Corinthians vence, é muito falatório na sala no dia seguinte e tem um momento que preciso dizer um “chega” para continuar com aula – afirma Renata, também corintiana.
Varjota Esportes - Ce. / Globoesporte.
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