Parece impossível, mas a Arena do Grêmio, um gigante de 56 metros em
franca construção, já coube numa mochila. Ou ao menos o sonho de erguê-la. Foi
assim, acreditado por poucos e sob olhares desconfiados de muitos, numa jornada
despretensiosa e ao mesmo tempo cheia de perícia, que o futuro estádio do clube
gaúcho começou a tomar forma. A exatos dois meses de sua inauguração, o
GLOBOESPORTE.COM reconta os detalhes do plano seminal que hoje é puro concreto
e expectativa no bairro Humaitá, na zona norte de Porto Alegre.
Arena está cada vez mais com cara de
estádio (Foto: Lucas Uebel/Grêmio FBPA)
A mochila de Eduardo Antonini levava para a Alemanha, naquele junho de
2006, outro plano, na verdade. O jovem dirigente sequer tinha dois anos de
Conselho Deliberativo permanente e já havia sido encarregado de espinhosa
missão: elaborar um plano diretor para o Estádio Olímpico, então com quase 52
anos de vida.
Tudo começou com o retorno do Grêmio à Série A, após a irrepetível
Batalha dos Aflitos. Junto com a autoestima novamente elevada, estava a vontade
de muitas empresas de investir no lar tricolor - instalação de lojas e afins.
Antonini foi além da fria calculadora e de planilhas herméticas armadas via
computador. Queria aproveitar a Copa do Mundo em solo alemão para estudar os
estádios recém-erguidos.
De cara, se sentiu em casa. Ao pisar na estação de metrô do Muro de
Berlim, em meio a um formigueiro de gente, avistou camisas azuis e amarelas.
Era uma trupe de gremistas que cruzou o Atlântico para empurrar o Brasil ao
hexa. O título não veio, mas o encontro improvável de tricolores seria um bom
sinal para o futuro do Grêmio.
A ida à Alemanha não teve o planejamento tão espartano que a Arena iria merecer na sequência. Antonini pagou do bolso, foi por conta própria. Dormiu em albergues. Foram "20 e poucos dias", como o próprio define, de muita observação. Assistiu a nove partidas, conheceu muitos templos do futebol tilintando de novos. O frescor da modernidade acendeu uma ideia na cabeça de engenheiro do dirigente, que hoje, aos 42 anos, sustenta o título de presidente da Grêmio Empreendimentos, empresa criada para gerenciar as obras.
A ida à Alemanha não teve o planejamento tão espartano que a Arena iria merecer na sequência. Antonini pagou do bolso, foi por conta própria. Dormiu em albergues. Foram "20 e poucos dias", como o próprio define, de muita observação. Assistiu a nove partidas, conheceu muitos templos do futebol tilintando de novos. O frescor da modernidade acendeu uma ideia na cabeça de engenheiro do dirigente, que hoje, aos 42 anos, sustenta o título de presidente da Grêmio Empreendimentos, empresa criada para gerenciar as obras.
De volta a Porto Alegre após a Copa, compartilhou o seu plano com o
presidente Paulo Odone. A recepção foi com reservas, recheada de dúvidas. O
resumo da proposta foi o seguinte:
- Presidente, não dá para reformar. Precisamos construir um novo
estádio.
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os primeiros passos da Arena
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2006
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Grêmio traça plano diretor para revitalização do Olímpico
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2006
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Antonini vai à Copa da Alemanha e volta com a ideia de construir um
novo estádio
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2006
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Em novembro, Grêmio contrata a Amsterdam Arena para estudo de
viabilidade
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2007
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Clube oficializa uma carta-convite para empresas interessadas em
investir. Três propostas começam a ser analisadas pelo Conselho Deliberativo
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2008
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Em março, o Conselho elege a oferta dos portugueses da TBZ e o Humaitá
como local do estádio
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2008
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Em agosto, a empresa TBZ sai do consórcio
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2008
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Em 19 de dezembro, OAS e Grêmio oficializam parceria para a construção
do estádio
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2008
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O projeto foi aprovado em 29 de dezembro na Câmara de Vereadores de
Porto Alegre
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2009
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Em outubro, a área foi demarcada
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2010
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Em 20 de setembro, após liberação da prefeitura, um grande evento
marca o início das obras da Arena no bairro Humatiá
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De sua sala no Olímpico, Odone meneou a cabeça e deu a chance de que
Antonini precisava. Não era bem um "sim", mas estava longe de ser um
"não". Surgia a primeira brecha de um clube historicamente voltado ao
conservadorismo. O presidente aceitou a contratação da empresa holandesa
Amsterdam Arena para a criação de um estudo de viabilidade. Antonini a conheceu
em sua passagem pela Alemanha. Seus executivos mal sabiam dizer "oi"
em português. As conversas com o Grêmio lhes abriram as portas do Brasil.
Os holandeses poderiam até sofrer para falar a língua nativa, mas
chegaram rapidamente a mesma conclusão de Antonini. Tempo de vida, alto custo
de manutenção, localização em região estrangulada, disparidades com o padrão
Fifa... o Olímpico chegara ao seu limite. Precisava emergir um palco
mulituso.
- É importante sublinhar o caráter pioneiro do projeto. Em tempos de
Copa do Mundo, todos falam em arenas. Em 2006, no entanto, ninguém pensava em
se desfazer de seus estádios - ressalva Antonini, lembrando que, depois, em
2011, a OAS conseguiria um financiamento junto ao BNDES, o primeiro para
estádios antes da Copa, além de a Arena azul ser a única privada do país ao
lado do novo estádio do Palmeiras.
A busca pelo novo, hoje tão exaltada, no entanto, teve seus obstáculos
nos idos de 2007 e 2008. Esbarrou um pouco no próprio Conselho Deliberativo,
com seus mais de 300 gremistas, muitos testemunhas do crescimento do Olímpico.
Como fazer passar uma ideia que tinha como um dos pilares se desfazer do atual
estádio? O Salão Nobre do Conselho Deliberativo foi palco de quatro
reuniões de aprovação dos projetos, além de mais 50 encontros para discutir
outros pontos do mesmo tema.
- No início, poucos acreditavam - confirma Antonini.
Mas os holandeses colocaram fé. Tinham como respaldo o exemplo do
estádio do Ajax, rival de lembranças ruins do Grêmio, pela final do Mundial de
1995. Construído um ano depois, o Amsterdam Arena impulsionou a região ao seu
redor. Mesmo objetivo que hoje o clube gaúcho mira ao fincar pé no ainda periférico
bairro do Humaitá. O escritório de arquitetura Plarq, de Coimbra,
projetaria o futuro estádio.
Primeira reunião com a Amsterdam Arena
em 2006
no Olímpico (Foto: Arquivo Pessoal)
no Olímpico (Foto: Arquivo Pessoal)
Elaborado o plano pelos consultores, era a vez de lançar no mercado a
carta-convite, antes, claro, devidamente aprovada pelo criterioso Conselho. Dez
grupos surgiram com interesse - três propostas efetivas. Vingou a oferta do
grupo português TBZ. Além da desconfiança de boa parte dos gremistas, Antonini
elenca a posterior desistência da TBZ como um dos momentos de maior tensão na
concepção do novo estádio.
No entanto, a construtora baiana OAS, que já estava no negócio com os
portugueses, "abraçou" a causa e resolveu tocar a obra com os seus
próprios braços, numa parceria de 20 anos. O contrato foi firmado em dezembro
de 2008, em circunstância singular que novamente alarmou o clube: como erguer
um estádio do zero em meio a uma das maiores crises da construção civil nos
Estados Unidos, que, feito praga, se alastrou pelo mundo?
Mas o Grêmio encarou o Tio Sam. E aí vai um salto: para o dia 20 de setembro
de 2010. Data alusiva à comemoração da Revolução Farroupilha, mas que também
sinalizava o começo de uma nova batalha, a da construção efetiva da Arena.
Tijolo por tijolo.
Passa longe do exagero dizer que cada azulejo tem a mão de Eduardo
Antonini. A Arena passou a não caber mais em sua mochila. Ganhou vida própria e
passou, por que não, a dominar um de seus criadores. Desde janeiro de 2011 como
presidente da Grêmio Empreendimentos (em 2010, foi Secretário Extraordinário da
Copa do Mundo no RS), trabalha "full time" na construção do novo lar
tricolor. Houve dias em que saíra de madrugada das obras. Também realizou mais
de 50 visitas técnicas aos mais variados estádios do mundo para trazer o que
havia de mais atual.
Perfeccionista com o "projeto de sua vida", Antonini não
sossegou, por exemplo, até os italianos responsáveis pela fabricação das
cadeiras encontrarem o tom certo do "azul do Grêmio".
- Eu escolhi a cadeira, a drenagem, a cobertura... Por mais que a
construtora entenda de obras, é importante a filosofia do Grêmio estar presente
em todo o processo - detalha. - A palavra final é sempre minha.
Antonini na Arena: rotina diária (Foto:
Lucas Uebel/Grêmio FBPA)
É claro que tanta sofreguidão ao trabalho espalha efeitos em casa. Desde
que mergulhou nessa empreitada, só conseguiu tirar dez dias de férias com a
esposa Ana e os filhos Giovana, 10 anos, e Felipe, 5. Residente no bairro Três
Figueiras, atravessa a cidade todo o dia. Feriados. Sábado. Domingo. As obras
nunca saem de seu horizonte.
Os filhos não reclamam. São gremistas e pacientes. Mesmo novos, têm
ideia da grandeza da obra. Os amigos de Antonini, também. É quase impossível
passar incólume numa conversa informal. Cedo ou tarde, o assunto Arena surge na
pauta. Antonini deixa de lado a dureza de engenheiro e dribla com habilidade
perguntas típicas como: "Quem vai tocar no show de
inauguração?".
Antonini encontrou grupo de gremistas
logo na
chegada a Berlim, em 2006 (Foto: Arquivo Pessoal)
chegada a Berlim, em 2006 (Foto: Arquivo Pessoal)
Quando o assunto é o torcedor, no entanto, o dirigente afirma ser
meticuloso. Garante que, há cinco anos, lê todos os e-mails que chegam à
ouvidoria do clube. Nem sempre consegue responder, lamenta, mas sempre capta a
mensagem. E vê esse bom relacionamento com a torcida como um dos trunfos para
fazer a Arena do jeito que o fã deseja.
- Além da ouvidoria, recebo muita sugestão por Twitter e Facebook.
Eu leio tudo. Daí, por exemplo, saíram os ajustes da questão da migração de
sócios e o modelo inédito de cadeiras mistas (livres e numeradas) -
exemplifica.
Apesar do fanatismo por futebol, Antonini diz que não permite o
"chute" na sua profissão. É imperativo ser preciso e detalhista.
Agora, entra em campo o engenheiro para despejar a seguinte promessa:
- Não sou de chutar. Digo, com tranquilidade, que não haverá três
estádios melhores que a Arena. No mundo.
A conferir, em exatos dois meses. Da mochila de Antonini à imensidão de
concreto, a Arena do Grêmio entra em sua contagem regressiva.
Varjota Esportes - Ce. / Globoesporte
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