No dia 10 de julho, Seedorf fez seu primeiro treinamento como jogador do Botafogo em General
Severiano. Doze dias depois, entrou em campo na sua estreia pelo novo clube na
derrota por 1 a 0 para o Grêmio, no Engenhão. De lá para cá, são quase quatro
meses, com 21 partidas e nove gols conhecendo de perto virtudes e defeitos do
futebol brasileiro e vivendo intensamente suas rivalidades, dramas e histórias.
Aos 36 anos, Seedorf sempre foi conhecido em sua carreira por ser um
jogador educado ao extremo em campo e ganhou o apelido de Professor. Fora dele,
exibe o mesmo perfil. Com sorriso fácil e cumprimento simples e cordial a quem
sabe respeitá-lo, o holandês conquistou rapidamente seu espaço em um novo país,
onde desembarcou como ídolo, com recepção de gala no Aeroporto Internacional
Tom Jobim.
- Cada um vive a sua maneira. A minha disponibilidade tem a ver com a
educação da pessoa. Se estou jantando, peço para esperar. Geralmente, entendem
e atendo sempre que possível. É uma pequena ação para fazer feliz uma pessoa.
Ela gosta do que vocês está fazendo e quer um pouco de atenção - disse Seedorf.
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Essa preocupação com a educação fora de campo adentra os gramados do
país. Nesses quase quatro meses, Seedorf identificou a preocupação do
brasileiro em ludibriar os árbitros como um problema a ser corrigido. A
lealdade entre os jogadores, segundo ele, é importante para manter o
profissionalismo do jogo.
- O futebol tem uma importância enorme socialmente falando e os
jogadores precisam ser mais leais. Ser malandro parece um pouco demais. É
importante que haja solidaeridade, que sejam honestos. A Uefa combate isso há
uns cinco, seis anos. Entro em campo para fazer o meu melhor e com o pensamento
de que quem se sair melhor vai vencer. Um precisa do outro. Jogar-se no chão
para o árbitro entender mal a jogada é um malandragem e não respeito isso.
Complica a vida da arbitragem, que já trabalha em um nível de velocidade
extremo. Transmitimos coisas para as crianças e ganhar fazendo as coisas de
forma correta é melhor. Não precisa de malandragem para ganhar. É uma coisa
habitual de vários jogadores que pode ser atacada para passar valores positivos
- comentou Seedorf.
Seedorf entra no combate contra a malandragem no futebol (Foto: Thales
Soares / Globoesporte.com)
Sua preocupação vai além. Para Seedorf, o trabalho de desenvolvimento
dos jogadores na base precisa melhorar. Muitos chegam aos profissionais sem a
formação ideal de educação para sobreviver ao fim da carreira no futebol.
Convidado para palestras em empresas pelo mundo afora, o holandês espera poder
contribuir para isso e usou mais uma vez o desafio de Ronaldo no quadro
"Medida Certa", do Fantástico, como exemplo.
- Todo mundo gosta de dizer que os jovens são o futuro. Ter uma educação
boa e praticar esporte são duas coisas muito importantes para o crescimento de
uma criança. Sei da minha posição e o que minha palavra representa, assim como
a atitude do Ronaldo de aceitar seus problemas e trabalhar para melhorar por
causa de sua saída. Saber falar não às drogas é importante. Há jogadores que
chegaram pelo talento e não tiveram uma base. Depois dos 40 anos, vão fazer o
quê?. Esta é minha filosofia de vida que quero passar para os outro direta ou
indiretamente com atividades sociais, falando em escolas, empresas, que chamam
para palestras e tem valores muito parecidos com o do esporte. Não adianta
ganhar uma Copa. Ela sozinha não tem significado. Quero colocar valores dentro
dela, o trabalho duro, o suor, a disciplina, o comprometimento dos jogadores.
Mostra que isso não vem de graça, mas de um desempenho convertido em uma
realidade atravás de um trabalho - explicou Seedorf.
Nessa relação com os brasileiros, o holandês também tem elogios. Depois
de conviver com muitos deles em sua longa carreira na Europa, conseguiu traçar
um perfil. Com alguns, Seedorf tem um contato mais próximo, mas sempre teve um
tratamento de respeito com todos. Ele percebeu nesse tempo um comprometimento
entre eles, que serve como exemplo para o crescimento do Brasil como país.
Seedorf autografa camisa levada pelo volante
Gabriel (Foto: Thales Soares / Globoesporte.com)
Gabriel (Foto: Thales Soares / Globoesporte.com)
- Os brasileiros têm virtudes interessantes, especialmente jogando
juntos. Nunca vi um falar mal do outro pelas costas. Isso mostra que o
crescimento do país não é casual, mesmo com todos os problemas que ainda
precisa resolver e as dificuldades. Mas já existe esse espírito, de um sempre
apoiar o outro. Para o brasileiro é mais difícil ser sério, tirar o drama que o
futebol leva em várias situações. Precisa de uma mentalidade mais europeia para
dar esse equilíbrio - analisou Seedorf.
O discurso sobre o futebol brasileiro também serve para o Botafogo.
Seedorf já disse outras vezes que sua motivação para aceitar o convite do clube
foi o desafio da mudança e como poderia contribuir em uma situação diferente
das que já havia passado em sua carreira, em clubes da elite mundial, como
Milan e Real Madrid. Ele acredita no trabalho que vem sendo realizado para
conquistas futuras.
- Se o Botafogo tiver coragem, força e tranquilidade para continuar
nesse caminho que o clube começou há quatro anos, é uma questão de tempo. Nada
é construído em dois dias. Uma casa não é feita em dois dias, principalmente
sabendo onde o Botafogo estava antes. Foram muitos trabalhos bem feitos, mas só
olham o resultado no campo. O torcedor está certo em ver assim, mas
internamente, qualquer clube precisa de um projeto para construir alguma coisa.
Se o resultado vem antes, tudo bem, mas você não pode fazer um time forte agora
para depois ficar 20 anos sem ganhar porque não construiu uma base - comentou o
holandês.
Família,
vida e música
Nessa sua nova vida, Seedorf tem sua família, que mantém distante dos
holofotes, administra de longe três restaurantes japoneses na Itália e conta
com projetos sociais no Suriname, sua terra natal. No Brasil, ainda espera
fazer mais e tem na Copa do Mundo de 2014 uma boa oportunidade de investimento
no futuro.
- Minha felicidade é quando consigo dar algo a alguém. Não falo em
dinheiro, mas uma palavra, uma atitude. A felicidade do outro é a minha. Quem
sabe dar sem pedir, vai receber também. Isso não significa que não goste de
fazer dinheiro, negócios, mas você pode fazer isso com certos valores. Na vida,
não há só o futebol. Apenas 1% chega ao máximo nível. Por isso, as crianças
precisam entender como a escola é importante - disse.
A vida no Brasil, segundo o próprio Seedorf, tornou-se mais fácil do que
ele mesmo esperava. A adaptação tem sido simples, mas com métodos de trabalho,
uma rotina e temperaturas bem diferentes do que estava acostumada em 20 a nos
de futebol europeu. Até mesmo no relacionamento entre os membros da comissão
técnica, o holandês percebeu diferenças.
Aqui, quando levanto, está sempre sol. Uma
qualidade de vida para treinar muito boa. No Brasil, o preparador físico fala
mais, tem uma interferência maior, o que na Europa não existe. Lá, ele faz o
trabalho dele e vai embora"
Seedorf
- Aqui, quando levanto, está sempre sol. Uma qualidade de vida para
treinar muito boa. No Brasil, o preparador físico fala mais, tem uma
interferência maior, o que na Europa não existe. Lá, ele faz o trabalho dele e
vai embora. No Brasil, todo mundo está sempre presente, na preleção, há uma
participação de todos. A comida também. Tem muita - brincou Seedorf.
Sempre sorridente e com tiradas bem humoradas, Seedorf falou sobre seu
lado cantor. Fã de Bob Marley, Michael Jackson e soul dos anos 60 e 70, ele
chegou a gravar ao lado do irmão Jurgen. No Brasil, citou Ivete Sangalo como a
mais popular até agora, mas fez elogios aos estilos em geral.
- Nada que ouvi até agora aqui fez barulho na minha orelha. Algumas têm
um ritmo mais interessante, como pagode, samba, bossa nova. Mas a Ivete Sangalo
é a que eu mais conheço. Nas festas, toca o tempo todo. Gosto de cantar mesmo,
mas de onde vem, não sei. Tenho um irmão também que canta muito bem. Os
escravos sempre cantavam para botar o estresse para fora. Talvez tenham limpado
a voz para a gente. Acho que todo mundo deveria cantar. Faz bem para a alma -
disse Seedorf.
A carreira de jogador está em seus últimos anos, mas o futuro ainda é um
mistério para Seedorf. Seu contrato com o Botafogo vai até o dia 30 de junho de
2014. O holandês não gosta de fazer previsões e diz que muita coisa pode mudar
de um ano para o outro.
- Vou fazendo coisas que estão no meu caminho. Há três anos não pensava
em vir para cá jogar futebol. As coisas mudam - afirmou Seedorf.
Varjota Esportes - Ce. / Globoesporte
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