Como mercado do PSG desafia o Fair Play Financeiro e por que a Uefa tem que agir


© Mbappé para o PSG: empréstimo do Monaco e cláusula de compra de 180 milhões (Foto: divulgação)


A Uefa anunciou nesta sexta-feira, um dia após o fechamento do mercado de transferências na Inglaterra, Itália, França e no dia que fecha o mercado na Espanha, que irá investigar as contratações do Paris Saint-Germain. O anúncio da contratação de Kylian Mbappé como um empréstimo com compromisso de compra por € 180 milhões chamou a atenção. Um clube gastar € 222 milhões em Neymar e depois fazer esse malabarismo para contratar Mbappé é um desafio ao Fair Play Financeiro da Uefa, que pode ir, definitivamente, por água abaixo se nada for feito. Por isso, a Uefa agiu.
Oficialmente, o Paris Saint-Germain gastou € 238 milhões nesta janela de transferências e arrecadou € 62 milhões com vendas. Na prática, gastou € 418 milhões, somando os € 180 milhões que serão pagos por Kylian Mbappé ao final da temporada. Esse é um caminho que os clubes adotaram nos últimos anos para driblar o Fair Play Financeiro: jogar transferências para anos à frente, de forma a tirar do atual ano fiscal.
Vários clubes fizeram uso desse artifício não só nesta janela, mas em muitas das últimas. Nunca, porém, havia sido usado esse expediente com um jogador superestrela e com um valor tão alto como Mbappé, que será a segunda maior transferência da história do futebol – sendo que a primeira também é do PSG nesta mesma janela. Somando as duas transferências, são € 402 milhões. Embora não seja proibido por lei fazer um empréstimo com compra vinculada, ela fere justamente o espírito da lei. E isso já tinha ficado claro antes, mas foi escancarado pelo caso Mbappé. Uma prática que foi iniciada, aliás, pelo próprio PSG com Serge Aurier, em 2014.
No seu último balanço, da temporada 2016/17, as receitas do PSG foram de € 521 milhões. Isso significa que só em transferências, o clube teria gasto 77% das suas receitas. Como jogou para a temporada seguinte, essa transferência fica maquiada. O clube, claro, não poderá gastar muito na janela de verão europeu do próximo ano, mas talvez realmente não precise. Ainda pode vender alguns dos seus jogadores para fazer dinheiro. E como as duas transferências estarão, em tese, em duas temporadas diferentes, então isso fica amenizado.
O Fair Play Financeiro estabelece que os clubes não podem ter um prejuízo superior a € 30 milhões, no máximo, ao longo de três temporadas, se o dono do clube resolver cobrir o prejuízo. Considerando o gasto oficial, € 238 milhões, as transferências representaram 45% das receitas do último ano. Mas como os clubes fazem para diluir esse valor? Não é um grande problema para a maioria dos clubes. Passa a ser quando os valores são estratosféricos.
Segundo as regras do Fair Play Financeiro, o valor pago por um jogador é diluído ao longo dos anos do contrato. No caso de Neymar, por exemplo, o clube não declara os € 222 milhões pagos ao Barcelona no balanço de 2017/18. Como o contrato é de cinco anos, o clube divide o valor em € 44,4 milhões por ano, daqui até o final do contrato, em 2022. Mesmo assim, há outros impactos que não podem ser diluídos no orçamento, como os gastos com salários, que são pesados para clubes do calibre de PSG ou mesmo Barcelona – que chega a gastar 70% das suas receitas com salários, mesmo suas receitas sendo enormes.
O próprio PSG e o Manchester City foram punidos em 2014 por descumprirem o Fair Play Financeiro e a pena foi considerada muito branda para os dois. Na época, receberam multas de € 60 milhões e não puderam inscrever mais do que 21 jogadores nos seus elencos na Champions League – o número máximo é de 25. Além disso, os clubes precisam passar três temporadas sem cometer qualquer infração, sob a pena de serem excluídos de competições europeias. Além disso, o clube passou a ter um limite de gastos € 55 milhões menor do que as regras permitem aos demais, como uma punição também pela infração cometida.
Esse período probatório, para PSG e Manchester City, acabou justamente em junho de 2017, quando a punição completou três anos. Agora, o PSG passará por uma nova avaliação diante do mercado que fez.
“A Câmara Investigatória do Comitê de Controle Financeiro de Clubes da UEFA abriu uma investigação formal ao Paris Saint-Germain, como parte do monitoramento contínuo de clubes segundo os regulamentos do Fair Play Financeiro (FFP)”, diz o comunicado da Uefa. “A investigação vai centrar-se no cumprimento por parte do clube do requisito de ponto de equilíbrio financeiro (break-even), especialmente tendo em conta a sua recente atividade no mercado de transferências”, diz ainda o texto.
“Nos próximos meses, a Câmara Investigatória do Comitê de Controlo Financeiro de Clubes da Uefa vai reunir-se regularmente, de forma a avaliar cuidadosamente toda a documentação afeta a este caso”, explica o comunicado. “A Uefa considera o Fair Play Financeiro um mecanismo de governança essencial, que pretende garantir a sustentabilidade financeira do futebol europeu de clubes”. Por fim, a Uefa termina o comunicado dizendo que “não fará mais comentários sobre este assunto enquanto a investigação decorrer”.
O Paris Saint-Germain reagiu rapidamente à notícia declarando surpresa pela investigação. “O clube está surpreso pela abordagem já que constantemente manteve a equipe do Fair Play Financeiro da Uefa informada sobre o impacto financeiro de todas as operações de jogadores feitas neste verão, mesmo não sendo obrigado a fazer isso. O clube está muito confiante na sua habilidade de demonstrar que irá cumprir totalmente com as regras do Fair Play Financeiro para o ano fiscal de 2017/18”, afirmou o clube em comunicado.
“O clube reafirma que sempre operou em total transparência com os órgãos do futebol europeu, com os quais desenvolveu uma relação de confiança nos últimos seis anos, demonstrando o mais alto respeito pela instituição”, disse. E o comunicado vai além. “A esse respeito, o vice-diretor geral Jean-Claude Blanc encontrou com especialistas da Uefa, incluindo Andrea Traverso, responsável pelo Fair Play Financeiro da Uefa, por mais de três horas no dia 23 de agosto na sede do Paris Saint-Germain, onde ele demonstrou que as operações feitas com o Barcelona e em curso com o Monaco seguiam as regras do Fair Play Financeiro para o ano financeiro 2017/18”, diz a nota.
O clube ainda informa no comunicado que esteve em contato com a Uefa neste dia 31 de agosto, dia do fechamento da janela, informando mais detalhes da transação com o Monaco, como seria o pagamento e como se encaixa nas finanças dos clubes, em conformidade com as normas contábeis francesas e do imposto de renda do país.
O PSG ainda ressalta que nesta janela vendeu jogadores que ajudaram a melhorar os resultados do clube em um total de € 104 milhões na temporada 2017/18, incluindo aí não só os valores recebidos, mas também os salários que deixam de ser pagos. “O clube também lembra que, se necessário, tem sob contrato jogadores de alto valor que permitem ao clube gerar ganhos de capital significativos nas próximas duas janelas (janeiro e junho) de 2018”, explica o PSG na nota.
Só que vai além. O PSG ainda argumenta que é um clube que está buscando se tornar um dos maiores do mundo e isso incluir significativos aumentos de arrecadação. Diz que tem habilidade para crescer exponencialmente suas receitas e antecipa um aumento de 20 a 40% em todas as receitas. O clube diz que irá colaborar com a Uefa em tudo que for necessário.
Antes mesmo da contratação de Neymar ser efetivada, o Barcelona sugeriu que o PSG estaria descumprindo as regras do Fair Play Financeiro, algo que, claro, os dirigentes catalães não tinham como avaliar precisamente, mas usaram para ameaçar o clube parisiense. Não adiantou. Javier Tebas, presidente da LFP, a liga profissional espanhola, acusou o PSG de “doping financeiro” e foi além: afirmou que a entidade levaria o caso à Uefa.
A Uefa sabe que precisa agir, porque os clubes testaram os limites da regra do Fair Play Financeiro nos últimos anos sem muita cerimônia. O artifício do empréstimo com obrigação de compra é só um dos muitos usados pelos clubes. Donos de clubes passaram a oferecer contratos de patrocínio com valores acima do mercado como uma forma de dar músculos financeiros aos clubes dos quais são donos. A Uefa afirma que esse tipo de prática é ilegal e, desde 2011, afirma que irá coibir esse tipo de prática com auditorias que avaliariam se o valor do patrocínio está dentro do valor de mercado. Valores considerados acima do mercado seriam passíveis de punição.
Obviamente, isso funciona muito bem no papel. Na prática, a Uefa fez vista grossa para os empréstimos com compra vinculada e também para outras formas de capitalização dos clubes, como naming rights de estádio – o caso do Etihad, do Manchester City, levantou muitas questões, como já mostramos aqui em 2011. O Fair Play Financeiro proíbe que parentes próximos ou empresas do próprio dono patrocinem o clube. A Etihad Airways pertence ao irmão do dono do City.
Polêmicas como essas ainda estão longe de uma solução satisfatória da Uefa. O presidente da Uefa, Aleksander Ceferin, já sinalizou que pretende colocar em discussões medidas ainda mais restritivas para o Fair Play Financeiro, como teto salarial para os clubes e multas por excesso de gastos em transferências acima de um limite determinado, como € 100 milhões. Além disso, a Uefa quer acabar com os empréstimos com obrigação de compra, como se tornou prática comum.
Segundo Ceferin disse no dia 26 de agosto, dia do sorteio da Champions League, anos atrás o ex-presidente Michel Platini e o presidente da Associação Europeia de Clubes (ECA), Karl-Heinz Rummenigge, tentaram junto à Comissão Europeia se era possível estabelecer teto salarial e multas por gastos excessivos. Há uma demanda para isso e é possível que vejamos algo assim ir adiante em breve. Ceferin disse, então, que ninguém quer que só 10 ou 12 times tenham capacidade de competir na Europa.
Veremos se a Uefa terá mesmo coragem de mexer nesse vespeiro. Talvez os gigantes europeus hesitassem com regras rígidas em relação a gastos, mas diante do que aconteceu nesta janela, até outros clubes grandes começam a ver que se não houver alguma medida que controle os gastos, é possível vermos um desequilíbrio grande nos próximos anos. Será preciso ao menos parar e discutir, antes que seja tarde demais. 

 Varjota  Esportes - Ce.          /         MSN.

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