Tarde, em pleno meio da semana. Treino forte no bairro da Lagoa Redonda, extremo leste de Fortaleza. O atacante Moré, com passagens por grandes clubes do Nordeste - incluindo Bahia, Vitória e Ceará -, aparece como um "tiozão" experiente entre um bando de garotos.
- Aqui me sinto bem - conta o atacante de 30 anos.
E é bom que se sinta. Dele e de outros jogadores depende um clube criado por um médico e que leva nome de clínica, mas que precisa mesmo é sair da UTI. Para infelicidade da equipe, o impacto da chegada de Moré, autor de 13 gols pelo Guarani de Juazeiro na Primeira Divisão, não foi suficiente para o Uniclinic retornar à elite do futebol cearense. O clube chegou à última partida da Segundona, no domingo passado, já sem chances de subir. Terminou a competição na terceira colocação e com mais um ano de frustrações.
Batendo na trave
Faltou pouco para o time ascender novamente. Uma derrota na penúltima rodada, para o São Benedito - adversário direto pelo acesso -, acabou com os sonhos do Uniclinic de voltar, ou pelo menos adiou por mais um ano.
Desde que foi rebaixado, em 2008, o time vem sempre batendo na trave. Em 2009, parecia que o retorno seria imediato. A melhor campanha na fase classificatória, porém, foi manchada por uma série de exibições ruins no hexagonal final. Em 2010, o drama foi maior, já que o clube não subiu por apenas um ponto. Ano passado, com mudança na administração, o clube não fez boa campanha, terminando apenas na oitava posição.
Este ano, contratou para a fase final - além de Moré - jogadores experientes, como os meias Zé Augusto e Marquinhos Portugal e o atacante Jéferson Maranhense. A diretoria trouxe ainda o técnico Oliveira Lopes, que dirigiu o Icasa na Primeira Divisão Cearense - e que começou a carreira de treinador justamente no Uniclinic.
- Eu comecei minha carreira aqui como treinador. Já saí e voltei outras vezes. Mas cada vez que eu venho aqui é como se eu tivesse sempre uma dívida de gratidão com o clube. Tenho um carinho muito especial por tudo isto - revela o treinador.
Oliveira Lopes encerrou sua carreira de jogador no Uniclinic em 1998, no ano em que o clube disputou o Campeonato Cearense da Segunda Divisão pela primeira vez, e logo se sagrou campeão. No ano seguinte, Oliveira foi técnico do time profissional e das categorias de base no primeiro ano do clube disputando a elite do futebol cearense.
- Lembro muito daquela época. Foi marcante porque foi também o início de uma história. Lembro muito que conquistamos o título e logo chegamos fortes no ano seguinte - relembra Oliveira.
Anos dourados
De fato, o Uniclinic chegou à Primeirona cearense e logo surpreendeu. Em sua primeira campanha, terminou na quinta posição. O mesmo aconteceu no ano seguinte. Em 2001, ficou na quarta colocação, mas foi rebaixado no ano seguinte.
Em 2003, foi vice na Segundona e garantiu o retorno à elite cearense. E o retorno foi ainda melhor do que a primeira passagem. O Uniclinic disputou a semifinal do primeiro turno em 2004, perdendo para o Ceará. Em 2005, em sua melhor campanha, disputou a final do segundo turno, perdendo, na ocasião, para o Fortaleza.
As boas campanhas cessaram nos dois anos seguintes, quando a equipe chegou a ser ameaçada pelo rebaixamento. O pior, no entanto, só se concretizou em 2008.
O pior time do mundo
As cores amarelo e roxo, que representam o Uniclinic, são as mesmas do Tabajara Futebol Clube - time de futebol criado pelo programa Casseta e Planeta, da Rede Globo. Se a turma do Casseta conhecia ou não o time do Uniclinic, não se sabe exatamente, mas bem que a equipe cearense levou a sério e viveu uma terrível fase de Tabajara em 2008.
Saco de pancadas naquele ano (veja no vídeo acima), o clube perdeu todos os jogos do primeiro turno do Campeonato Cearense e ainda mais duas partidas pelo segundo turno, totalizando uma série de 11 derrotas seguidas. Na ocasião, foi considerado o pior time do mundo pela mídia e por torcedores de outros clubes. O primeiro ponto daquele ano só foi conquistado no dia 1º de março, no empate por 2 a 2 com a equipe do Itapipoca, na terceira rodada do returno do Estadual.
Ao final do Campeonato Cearense de 2008, o Uniclinic conseguiu contabilizar incríveis quatro pontos -13 atrás do penúltimo colocado. O time não fugiu da chacota e dos apelidos de "Íbis Cearense" e "Tabajara". Da mesma forma, não escapou do rebaixamento e de mudanças drásticas em sua administração.
O Criador
O Uniclinic nasceu em 1997 a partir do sonho de um médico apaixonado por futebol. Vanor Cruz, diretor de uma clínica homônima ao clube e conselheiro do Fortaleza, resolveu montar seu próprio time no bairro da Lagoa Redonda. Primeiramente, funcionava apenas como equipe sub-20. No ano seguinte, disputou a Segundona cearense e tornou-se campeão.
O médico cuidou presencialmente do clube até 2008, quando passou o bastão para o filho Davi Cruz. Em dezembro de 2010, a morte de Davi fez com que o fundador se afastasse mais ainda do futebol e do clube que viu nascer.
Ainda em 2010, arrendou o clube ao empresário gaúcho Getúlio Santos que, desde então, assumiu o desafio de tentar recolocar o Uniclinic entre os grandes. Hoje, Vanor Cruz divide a vida entre Brasil e Estados Unidos, mas sempre faz uma visitinha ao seu clube.
- Ele vem aqui sempre que pode e claro que nos ajuda na medida do que estivermos precisando - declara Léo Castro, diretor de futebol do Uniclinic.
À procura da felicidade
Desde que foi arrendado, o Uniclinic tenta voltar a pensar em dias melhores. Os valores investidos na transação não foram revelados pelo atual dono do clube. Getúlio Santos paga uma taxa mensal ao fundador e tem os direitos de arrecadar e administrar a instituição.
Para driblar a falta de arrecadação na Segundona Cearense - a média por jogo em 2011 foi de R$ 276,91, enquanto em 2012 foi de R$ 195,56 -, o administrador busca parcerias e tenta aproveitar a estrutura do clube de forma mais adequada.
- É difícil continuar na Segunda Divisão, porque arrecadamos pouco e temos menos visibilidade. Precisamos voltar o mais rápido possível para a Primeira, ter mais patrocínios, cotas de televisão para ajudar financeiramente - diz Getúlio Santos.
O Uniclinic tenta fazer valer a boa estrutura que tem. É, por exemplo, a única equipe da capital que possui um Centro de Treinamento pronto e com estrutura adequada. São sete campos de futebol, junto com o campo principal do Estádio Antônio Cruz, na Lagoa Redonda. O local, inclusive, quer estar presente na Copa do Mundo de 2014 como Campo Oficial de Treinamento (COT).
Para arrecadar, os campos hoje são alugados para eventos festivos. Há também estrutura de academia, restaurante e salão de festas.
Com apenas 15 anos desde sua fundação, a Águia da Precabura, como é conhecido o Uniclinic, não quer permanecer na UTI do futebol cearense. O time tenta se renovar, fazer caixa - e não apenas existir. Trabalha atletas jovens e negocia alguns com clubes maiores.
- Já conseguimos vender em torno de dez jogadores. Foram alguns para o Figueirense, outros para o Grêmio. Nós precisamos focar neste trabalho de base, mas precisamos da visibilidade de uma Primeira Divisão - declara o presidente do clube.
Getúlio assumiu os sonhos de um médico louco por futebol. Agora, precisa dar seguimento, até mesmo por questão de sobrevivência dele, do Uniclinic e de quem sente falta de ver o clube não como um Tabajara, mas como um verdadeiro incômodo aos tradicionais times da capital cearense.
Varjota Esportes - Ce. / Globoesporte
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