Acostumar-se a ganhar nem sempre quer dizer que a vitória se tornou algo normal. Esse foi o exemplo dado por Andre Brasil no pódio dos Jogos Paralímpicos de Londres, nesta sexta-feira. Ao conquistar a segunda medalha de ouro brasileira em grande estilo, com direito a recorde mundial (23s16), nos 50m livres da classe S10, o carioca aumentou para cinco a sua coleção dourada na maior competição esportiva para portadores de deficiência, chegou a sete no total (tem ainda duas pratas), mas mostrou no pódio, aos prantos, que a rotina não diminuiu em nada sua emoção.
O choro incontido tem muitas explicações. Andre Brasil enumerou: sacrifícios, treinamento pesado, investimento... O motivo principal, porém, estava ali, bem pertinho, para ele poder sentir e ver. Ao contrário de Pequim-2008, o nadador trouxe os pais Tônia e Carlos para incentivá-lo, e ao ver o sorriso no rosto da dupla uma cena passou por sua cabeça.
- Lembrei de uma coisa de criança, coisa boba. Toda vez que eu ia dormir, colocava uma calha para o pé ficar na mesma posição. Você imagina o quanto isso é difícil com seis, cinco anos. Lembrei da minha mãe chorando. Ela nem pedia mais para eu usar, ela chorava, e meu pai fazia força para eu colocar. Parece maus tratos, né? Mas eu devo tudo a eles.
A rotina sacrificante da infância era para minimizar os efeitos de uma reação a vacina contra poliomielite, que deixou sequelas em Andre. A natação sempre foi uma válvula de escape, desde a infância, mas se tornou profissão para valer há apenas oito anos. Assim como Daniel Dias, o carioca descobriu o esporte adaptado através das conquistas de Clodoaldo Silva em Atenas-2004, quando já competia sem muita repercussão em provas convencionais.
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- Meu pai foi o cara que me mostrou isso (pausa emocionada), foi quem me acordou de madrugada para ver o desporto adaptado, assistir o Clodoaldo... Pode trazê-lo a um evento desse é muito bacana (lágrimas). Para quem ralou para caramba, escutou que o filho não ia andar, é uma vitória individual.
Nadador do Pinheiros, Andre Brasil mora em São Paulo há seis anos. A distância torna ainda mais especial a participação em família nas Paralimpíadas.
- Sinto muita falta. O Rio não é tão longe de São Paulo, mas eu sou muito apegado a minha família. É difícil, mas eles sabem que é por um bem maior. Hoje, eu não sou mais o Andrezinho da Dona Tônia e do Seu Carlos. Sou o Andre Brasil e represento muita gente.
Medalha na mala e foco em outras seis provas
A medalha desta sexta foi a segunda do nadador em Londres, já tinha ficado com a prata nos 200m medley no dia anterior – e não chorou. Andre garante, porém, que cada conquista será bem saboreada e virá acompanhada de um turbilhão de sentimentos.
- Não é mais uma. É minha primeira de ouro aqui em Londres. Ela tem um sabor especial. Tenho meus objetivos pessoais, de grupo e vejo esse crescimento. Cada medalha, cada lágrima, me faz pensar em luta, trabalho, dedicação, empenho, força de vontade, família. Isso que eu sou.
A emoção por cada conquista, entretanto, não pode durar muito. Já com os 100m borboleta, que serão disputados neste sábado, em mente, ele promete curtir o ouro apenas por algumas horas antes de “escondê-lo” na mala até o fim da competição.
- Quando eu entrar na Vila, a ordem é: medalha guardada. Coloco no fundo da mala, tomo um banho, relaxo, e já penso na outra prova. Só volto a pegar as medalhas no fim da competição.
Esporte olímpico? 'Sei onde é o meu lugar', diz
O recorde mundial batido nos 50m livres, apesar de estar mais de dois segundos distante da marca de Cesar Cielo (23s16 contra 20s91), fez com que fosse levantada a possibilidade de Andre tentar a sorte também no mundo olímpico, como tem sido moda recentemente. O brasileiro não descarta a possibilidade, mas é sincero ao apontá-la como alcançável somente entre os reservas de um revezamento 4 x 100m livres. A realidade, por outro lado, é de um atleta realizado em seu ambiente e sem frustrações.
- Sei onde é o meu lugar. Sou reconhecido como sou pelo esporte paralímpico. Tenho certeza que toda comunidade aquática me conhece, a CBDA, mas talvez eu não tenha o meu valor, eu seja apenas mais um dentro de uma infinidade de atletas lá. Aqui, eu sei o que represento, apesar de ainda me sentir objeto de transformação. Não sei se vou ver (o crescimento), se estarei presente, mas vou lutar o máximo para levantar a bandeira do esporte adaptado.
Luta que Andre continuará com mais seis provas em Londres: 100m borboleta, 100m costas, 100m e 400m livres, e os revezamentos 4 x 100m livres e medley.
Varjota Esportes - Ce. / Globoesporte
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