Ao cobrar a falta e marcar o gol que deu ao Fluminense o título de campeão carioca, em 1980, o zagueiro Edinho tinha noção do sentimento que causava aos torcedores tricolores, presentes ou não no Maracanã. Ele só não fazia ideia de que um dos mais emocionados seria Nelson Rodrigues, que completaria 100 anos nesta quinta-feira. E que o seu feito o inspiraria a escrever a crônica derradeira de uma trajetória brilhante no jornalismo esportivo. Foi o filho do escritor, Nelsinho, quem contou a Edinho detalhes do que aconteceu naquele 30 de novembro de 1980.
O encontro, promovido pelo "Tá na Área", aconteceu na sala de troféus do Fluminense, nas Laranjeiras. Sentado ao lado do ex-jogador, Nelsinho relembrou cada instante daquela tarde de domingo em que ficou em casa, cuidando do pai, e precisou se controlar para evitar que os impulsos causados pela partida interferissem na saúde do escritor, impedido pelos médicos de "sentir emoções fortes".
Naquele dia, lembrou Nelsinho, o pai parecia impaciente. Embora a família tentasse esconder o horário da partida, ele perguntava insistentemente, entre um cochilo e outro, sobre o jogo contra o Vasco. A partida começou, e o filho tratou de disfarçar. Não era bom agitar o pai, que estava doente, tomava muitas medicações e já não saía mais de casa.
Hoje, 32 anos depois, Nelson Rodrigues Filho não tem dúvidas de que valeu a pena ficar em casa.
- Um dos momentos mais emocionantes da minha vida foi estar ao lado do velho naquele instante. Por um lado eu queria estar no Maracanã, mas por outro lado tinha que estar do lado do velho.
Nelson Rodrigues demorou a saber do gol de Edinho. Cauteloso, o filho deixou para contar no final da partida, quando os foguetórios já indicavam o término da decisão.
- Fui dizendo aos poucos do gol do Edinho. Poxa, o Edinho, o Edinho. E ele adorava o Edinho - relembrou.
Ele (Edinho) foi responsável pela última alegria do meu velho como tricolor"
Nelsinho Rodrigues
Lado a lado com o ex-jogador, Nelsinho revela o diálogo que teve com o pai, que comemorou com um pedido: "Eu tenho que escrever, eu tenho que escrever". Nelsinho respondeu: "Papai, você não pode. O médico proibiu você de escrever." A resposta foi imediata: "Não, o Fluminense foi campeão. Como eu não vou escrever?". Não foi possível contrariá-lo.
Ao ouvir o relato, Edinho conhece o outro lado. Após ter emocionado pai e filho (e milhares de outros torcedores), é ele quem se emociona, anos depois.
- Ouvindo o Nelsinho, o relato dele, o amor pelo pai, a parceria, hoje me emocionou muito mais do que na época. Na época, não tinha noção do que ele representava para as pessoas. Fico muito orgulhoso de ter sido ídolo dele e do pai também.
Invertendo os papéis, o filho de Nelson Rodrigues retribui, chama Edinho de mestre e agradece a ele por ter dado uma grande alegria ao pai, a última como torcedor do Flu - o escritor morreria 21 dias depois, aos 68 anos.
- Ele foi responsável, primeiro, pela última alegria do velho como tricolor. Ele foi responsável direto pela última vez que o velho se viu, se fez e se impôs como jornalista.
Mesmo doente, Nelson Rodrigues quis escrever
Nelson Rodrigues precisou de ajuda, mas conseguiu contar aquele título do Flu. Inesquecível para ele e todo torcedor, mais ainda para Edinho e Nelsinho.
- Aquilo foi uma coisa tão linda, aquele esforço pra escrever sem conseguir, forçando uma barra. Por que ele era jornalista, você podia cortar o velho que o sangue era sangue de jornalista, de criador, de pensador. Ele foi para a máquina de escrever, tentou, mas errava todas as coisas. Aí, falei com o velho: "Vamos fazer o contrário? Eu vou pra máquina e você vai dizendo. Ele dizia, dormitava, e a gente ia tentando.
- Aquilo foi uma coisa tão linda, aquele esforço pra escrever sem conseguir, forçando uma barra. Por que ele era jornalista, você podia cortar o velho que o sangue era sangue de jornalista, de criador, de pensador. Ele foi para a máquina de escrever, tentou, mas errava todas as coisas. Aí, falei com o velho: "Vamos fazer o contrário? Eu vou pra máquina e você vai dizendo. Ele dizia, dormitava, e a gente ia tentando.
Um momento eternizado, assim como a conquista daquele título, assim como Nelson Rodrigues.
O escritor será homenageado no próximo sábado pelo programa "SporTV Repórter". Seu centenário também foi lembrado em outros programas do SporTV, como o "Redação SporTV", que teve a participação de Ruy Castro, autor da biografia de Nelson Rodrigues.
Varjota Esportes - Ce. / Globoesporte
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