Nos países de língua portuguesa, um dos sobrenomes mais comuns entre as famílias é o Silva. Essa herança popular é passada de geração em geração ao longo dos anos. E com o técnico brasileiro Alexandre Agulha, ex-lateral do Botafogo, aconteceu o mesmo: herdou da mãe o sobrenome e ensina o estilo "Silva" de jogar futebol aos garotos das Ilhas Faroe. Há mais de dez anos, o brasuca vive na Europa e, atualmente, comanda um projeto nas categorias de base do 07 Vestur.
Revelado nas categorias de base do Botafogo, Alexandre Agulha chegou aos profissionais do clube em 1993, ano em que o Alvinegro conquistou a Copa Conmebol com vários pratas da casa. Após empréstimos para Castelo-ES e Rio Branco-ES, o lateral deixou o Glorioso em 1995 e a partir daí teve passagens por Moto Clube-MA, Olaria-RJ e Catuense-BA.
Depois da trajetória discreta no futebol brasileiro, Alexandre resolveu abandonar a carreira de atleta aos 25 anos e estava desenvolvendo um trabalho em uma escola de futebol em Rondônia até que uma ligação mudou sua vida: o suficiente para fazer o ex-lateral retomar seus sonhos.
- Cheguei aos profissionais do Botafogo, mas as coisas não funcionaram como planejado. Então, decidi fazer um curso de treinador na ABTF e um amigo me chamou para desenvolver um trabalho em uma escola de futebol chamada Atlas SC, em Rondônia, e lá recebi um telefonema. Em 1998, um agente de futebol Fábio Menezes me ofereceu a oportunidade de retomar minha carreira e minha última chance seria na Islândia. A possibilidade de entrar em um estádio novamente, de ter o contato com a torcida, de voltar a rotina de atleta, me devolveu o brilho nos olhos. Buscava os grandes centros, utilizando a Islândia como trampolim. Talvez não tenha alcançado meu objetivo, mas poderia não estar tão feliz como estou hoje nas Ilhas Faroe ao lado de minha família.
Na Islândia, o brasuca atuou pelo Leiftur por três anos e foi apelidado pelo seu antigo treinador com o nome de “Silva”, como atualmente é conhecido. Aprendeu a falar Inglês sendo um aluno dedicado, mas curiosamente o desenvolveu vendo desenhos animados locais e jogou ao lado de atletas de várias nacionalidades. Entre eles, estava Jens Erik Rasmussen, que o convidou para jogar nas Ilhas Faroe (complexo formado por 18 ilhas localizado entre a Escócia e a Islândia no Atlântico Norte).
- No Leiftur, éramos dois Alexandre, e o treinador disse que a partir daquele dia ia nos chamar de Silva , eu, e Santos, o outro - uma referência aos nossos sobrenomes. E ficou. Sou mais um "Silva", mas minha estrela brilhou um pouquinho. Na Islândia, também tive outras histórias curiosas: eu alugava desenhos animados locais e colocava o áudio em inglês e a tradução de texto em islandês. Uma loucura total, mas isso me ajudou bastante. Quando cheguei nas Ilhas Faroe, o inglês já estava "na ponta da língua". Os faroes e os islandeses também se assemelham bastante, o que facilitou meu contato direto com as pessoas.
Desde 2001, o ex-jogador do Botafogo está no 07 Vestur das Ilhas Faroe. No país, o fluminense, natural de Duque de Caxias, constituiu família (casou-se com uma pedagoga dinamarquesa e é pai de três meninas), tornou-se figura de muito prestígio e encerrou definitivamente sua carreira de jogador há quase dois anos. Atualmente, resolveu aceitar um desafio em outra área, ainda que dentro das quatro linhas: trocou a chuteira pela prancheta.
Silva é técnico das categorias de base da equipe e, aos poucos, consegue consolidar um trabalho que vira referência em todo o país. Para o ex-jogador, os quase 20 anos como atleta foram importantes para entender a mentalidade do esporte na transição para a carreira de “professor” e, hoje, ele se auto-intitula como um "faz tudo" do clube, responsável por levar um pouco do jeito brasileiro de se jogar futebol para os nórdicos.
- O 07 Vestur é um clube jovem (fundado em 2007) formado pela união de dois clubes: o SÍ e o SÍF, ambos da Ilha de Vágar, e possui uma organização como de um clube brasileiro, mas com dirigentes amadores. Quando cheguei, o clube tinha um grande problema, pois encontrava divergências de bastidores e estava as vésperas de se separar. Eles acreditaram em um projeto de trazer dois brasileiros com mais carisma e tendo a bandeira do Brasil como "proteção e benção". A partir daí pude desenvolver uma ideologia. Hoje, existe uma afinidade entre a parte administrativa e a aceitação dos métodos pelos atletas. Isso me deu estabilidade, coisa que será difícil encontrar no Brasil. Os resultados começaram a surgir. Desde 2005, a gente sempre traz uma taça para casa em uma das categorias. Sou treinador da base, mas também auxilio em todas as áreas do clube.
Carlos Alberto Torres, a inspiração
Feliz com a nova profissão, o brasuca acredita que a pré-disposição para virar treinador foi determinada por sua genética, mas, ao mesmo tempo, não esquece de citar os profissionais que foram fundamentais na formação de sua personalidade como atleta, o que consequentemente o ajuda como técnico no exterior.
- Meu pai foi treinador de equipes amadoras em Duque de Caxias, então acho que vem daí. Enquanto eu era atleta da base sempre fui muito observador e por vezes questionava os treinadores e preparadores físicos em determinadas situações que ocorriam em treinamento. Tive treinadores e preparadores físicos que foram muito importantes durante minha carreira. Entre eles, Carlos Albeto Torres, o mais representativo pelo título da Conmebol. Todos deixaram uma marca, desde os da base como Tuninho Alvarenga, Renato Trindade, Clayton Val e Ercy Rosa, até os profissionais como Paulo Emílio, Tata (hoje, auxiliar do Muricy), Joel Martins, entre outros.
Outra situação evidenciada por ele é o índice de popularidade que o futebol tem no país, chegando a chamar as Ilhas Faroe de “O país do futebol". Alexandre usou as estatísticas e fatos históricos para explicar o porquê desse apelido.
- O futebol é o esporte mais popular das Ilhas Faroe. A influência foi dada pela ocupação inglesa na Segunda Guerra Mundial e até hoje é fácil observar nas ruas crianças com camisas de clubes britânicos. A paixão é tão grande que aviões cheios partem daqui para assistir jogos do Campeonato Inglês. A população do país é de quase 50 mil pessoas e provavelmente um terço pratica futebol. Uma partida da seleção contra as potências Alemanha, Itália, França, etc... leva seis mil pessoas ao Estádio Nacional. Isso significa 12% da população e por isso arrisco em chamar as Ilhas Faroes de "O país do futebol".
Com propriedade no assunto, ele também analisou o atual momento econômico do futebol local.
- A crise europeia afetou diretamente o futebol nas Ilhas Faroe. Por exemplo, éramos dez brasileiros atuando nas duas principais divisões do país e hoje somos apenas dois. A Vodafone foi quem entrou no país com muita força e, inclusive, a Primeira Divisão leva o nome dela. Muitas empresas quebraram, inclusive na área de pescado que é base da economia nacional. Com uma população reduzida, o grande investidor vai buscar grandes centros e mercados europeus.
Se o sucesso no futebol é sinônimo de passagem por grandes clubes e contratos milionários, o esporte mais democrático do mundo também permite aos brasileiros fazerem carreiras vitoriosas em outros países longe dos grandes centros explorados pela mídia esportiva.
- Não me vejo como treinador de equipe principal, mas hoje eu diria que estou pronto para desenvolver um trabalho em qualquer clube no mundo com qualidade em categorias de base. Aliás, em Abril, vem um bolo de aniversário de 10 anos para celebrar esse trabalho. Que isso tudo continue dando frutos e que as seleções de base das Ilhas Faroe continuem a convocar nossos atletas, hoje representados em todas as categorias, com exceção a principal. Os meninos que iniciaram comigo na base, agora possuem 19 anos e não tenho dúvidas que chegarão a seleção em breve.
Recentemente, o técnico brasuca concluiu um estágio de treinador de futebol no FC Copenhague, da Dinamarca.
- O curso foi muito proveitoso, o Copenhague possui o que eles chamam de centro de excelência na formação de atletas, um dos melhores programas de desenvolvimento para jovens através de treinamentos contando com toda a qualidade que um atleta de ponta necessita para se desenvolver. Foi de grande valia estar lá.
Agora, seguindo um novo caminho, o técnico vem despontando no futebol local e descarta qualquer possibilidade de desenvolver um projeto parecido no Brasil. Na opinião do treinador, o futebol brasileiro está mirando exemplos “errados”.
- Desenvolver esse tipo de trabalho no Brasil, é muito difícil, existem muitas barreiras e a busca de resultados imediatos torna a carreira de treinador muito instável. Estão esquecendo de qualificar tecnicamente o atleta, enfatizando muita força e marcação. Estamos na contramão das tendências naturais, implantando estilo europeu no Brasil, enquanto clubes holandeses, dinamarqueses e creio que outros também, além do modelo mundial atual: o Barcelona, priorizam a qualidade técnica.
Globoesporte / Varjota Esportes.
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