Praia, futevôlei, churrasco, piscina, shopping center e restaurantes
chiques são os roteiros mais comuns dos jogadores de futebol durante os dias de
folga. Normalmente cercado por familiares e por amigos boleiros, eles agitam a
região onde moram. Avesso a essa badalação, quando está liberado pelo Náutico,
o atacante Rogério corre de encontro ao passado, na zona rural do interior
pernambucano, preferindo a tranquilidade da casa dos pais na cidade de
Pesqueira, a 215 quilômetros de Recife.
Lá, Rogério acorda com o canto dos pássaros, anda em terra batida e
reencontra amigos da infância, numa tranquilidade que espelha a sua
personalidade. Hoje, a realidade nada se assemelha a miséria e o sofrimento com
quem conviveu na infância. Hoje, o jovem atacante timbu é o orgulho e o
sustento da família.
Rogério relembra passado no campo onde
deu os primeiros chutes (Foto: Lula Moraes / GloboEsporte.com)
- Eu sempre fui contra ele ser jogador de futebol, porque somos da zona
rural do fim do mundo, de um lugar escondido, onde no máximo Rogério chegaria a
jogar no time da cidade. Ele nem tinha físico, era muito magrinho. Tenho os pés
no chão e via que a fome de bola não tinha futuro, insistia para que meu filho
fosse agricultor como a gente. Hoje somos sustentados pelo futebol e fico feliz
pela insistência dele e da mãe.
saiba mais
As palavras de José Ronildo de Melo, pai de Rogério, mostram como foi
difícil para o atleta conseguir realizar o sonho de ser jogador. Além de
enfrentar a fome e a falta de estrutura, o pai também foi um grande empecilho
no início da carreira.
- Eu só queria jogar bola. Sempre fui obediente e seguia meus pais, só
dando trabalho quando o assunto era futebol. Apanhava porque deixava os
afazeres de casa para bater pelada e levava esporro porque não conseguia
trabalhar na roça pelo mesmo motivo. Não nasci para ficar no campo, nasci para
jogar em campo, conta Rogério.
Não nasci para ficar no campo, nasci para jogar em
campo"
Rogério
O trocadilho refletia a frustração do pai. Ele tentou levar o filho, sem
sucesso, para trabalhar na roça, tangendo gado ou simplesmente apoiando o
estudo dele. Ficava irritado porque dona Cícera, sua esposa, bancava as
peripécias do filho, resultando em várias discussões na família.
- Não tínhamos dinheiro para nada. Muitas vezes faltava comida em casa e
Cícera tirava o pouco que tínhamos para pagar uma passagem para Rogério jogar.
Por outro lado, via os filhos dos vizinhos indo para a roça para ajudar a família
e ele não tinha jeito. Ele só trabalhou um dia comigo. Enquanto eu plantava uma
fileira de milho, ele ainda estava na primeira planta. Depois foi tanger o
gado, mas deixava os bois correrem e se perderem pelo mato. Saia todo cortado,
choramingando, falava para usar uma calça, mas nem isso ele fazia. Não tinha
jeito para o roçado.
Com medo de animais, Rogério fugiu do
trabalho na roça (Foto: Lula Moraes / GloboEsporte.com)
Morador da comunidade de Roçadinho, na periferia de Pesqueira, Rogério
enfrentava nove quilômetros até o estádio municipal, no centro da cidade.
Muitas vezes a bicicleta quebrava e ele tinha que ir correndo o percurso para
conseguir treinar pelo time da cidade. Refazendo a rota, ele aponta para as
pitombeiras dos sítios onde conseguia aliviar a falta do café da manhã, mostra
as serras onde moram os índios xucurus (seus antepassados) e conta as histórias
do lugar. Mas como disse José Ronildo, a admiração e a paz que sente ao estar
em casa contrasta com a inabilidade em realizar tarefas simples de um homem do
campo. Um exemplo foi como Rogério não se aproximou de uma vaca que estava no
terreno da família, com medo dela o atacar.
- Nem de picanha eu gosto - disse Rogério, com a mesma habilidade de
tratar o gado de um menino criado nos condomínios residenciais de uma
metrópole.
Mais uma
encrenca com o pai
José Ronildo é um homem sério, trabalhador, preocupado com o filho e é
daquelas pessoas que gostam das coisas claras ou como se diz, do preto no
branco. O cuidado com o mais velho dos três filhos é excessivo e depois de
Rogério o ter vencido na desconfiança sobre a profissão que queria seguir, foi
a vez de convencê-lo do amor que o tinha arrebatado.
Rogério precisou vencer a residência do
pai até para encontrar uma namorada (Foto: Lula Moraes)
Rogério já era um dos destaques do Náutico na temporada 2011, quando se
apaixonou por Aline, conterrânea do atacante, que viria a ser a mãe do seu
filho David Juan. O que era a mulher da vida de Rogério, para José Ronildo
poderia ser mais uma aproveitadora procurando se aproveitar da ingenuidade dos
jovens astros da bola.
- Rogério é uma pessoa muito boa, pura, e fico preocupado para que
ninguém o magoe. O namoro dele foi muito rápido, ele estava apaixonado e
poderia sofrer, pois tem muita menina interesseira por aí, que se aproveita da
situação financeira dos jogadores. Ele não aceitou a minha intromissão e
acabamos brigando.
Rogério considera Waldemar Lemos como
um pai
(Foto: Antônio Carneiro / Pernambuco Press)
(Foto: Antônio Carneiro / Pernambuco Press)
Foram cinco meses de briga entre pai e filho. Em campo, o rendimento de
Rogério começou a cair e o então técnico do Náutico, Waldemar Lemos, foi
conversar sobre o motivo das más atuações. Foi a partir daí que Waldemar ganhou
a alcunha de paizão para Rogério.
- Waldemar Lemos perguntou o que estava havendo e eu disse que o
problema estava na minha família. Eu não consigo jogar com qualquer pendência
pessoal, pois fico pensando naquilo durante os jogos. Sou do tipo em que a bola
está rolando e eu imaginando, "não era para ter dito aquilo". Essa
situação me atrapalhou. O treinador me olhou e disse que iria conversar com meu
pai. Dei risada, pois sabendo como é meu pai, achava que não adiantaria, mas
devolvi "tá bom, só não sei se ele falará com o senhor".
Waldemar Lemos foi até a casa de Rogério, no Recife, e conversou com os
pais do jogador. Acertou tudo, numa negociação revelada ao público durante a
campanha de acesso à Série A, o que só fez aumentar o mito do treinador como
paizão de atletas.
- Rogério chegou e me disse que o treinador queria conversar comigo.
Pensava que era algum problema disciplinar, mas Waldemar começou a falar sobre
o namoro do meu filho. Escutei, passei o meu lado e ele me convenceu que
Rogério já é um homem, que precisa decidir as suas escolhas e que a situação o
estava atrapalhando em campo. Ele ainda prometeu que se o relacionamento não
desse certo, daria um jeito de expulsá-la, de mandá-la para fora e que eu o
ficasse vendo no Recife, de 15 e 15 dias.
Tribo
xucuru
Rogério com a mulher e o filho David
Juan
(Foto: Lula Moraes / GloboEsporte.com)
(Foto: Lula Moraes / GloboEsporte.com)
A asa do pai continua sobre Rogério, mas de forma mais branda, até
porque agora ele é um chefe de família, com um filho de dois meses e tem uma
carreira promissora. Carreira que o faz ser reconhecido por onde passa em
Pesqueira. Na tribo xucuru em que foi criado até os seis anos, as pessoas
acompanham a sua trajetória.
- Jogava bem, apesar de ter somente seis anos, só queria saber de bola.
A cada jogo do Náutico estamos torcendo por Rogério. Ficamos preocupados quando
ele sofreu aquela maldade do jogador do América, mas já passou - disse o
indígena Lula Moura, amigo do pai do atacante, que lembrou da entrada do
lateral Maneco que rompeu o ligamento cruzado de um dos joelhos de Rogério. Por
conta dessa jogada, o atleta passou seis meses afastado, voltando agora, no
Brasileiro.
Apesar do corte moicano, referência a tribo americana que criou o
estilo, e da cara de índio, Rogério não absorveu a cultura dos seus avós. No
máximo, a desenvoltura em reconhecer os animais e plantas da região.
- Saí cedo da tribo, presenciei muitas coisas por lá e sei os costumes,
mas não tem nada comigo. Eles fazem reuniões espirituais que me dão calafrio,
tenho medo. Como pode alguém tomar uma garrafa de aguardente e não ficar
bêbado? Sem contar as mulheres que desmaiam no meio da dança. Eu estou fora -
brincou Rogério, que é evangélico.
Rogério e Cascata juntos pelo DM
(Foto: Aldo Carneiro / Pernambuco Press)
(Foto: Aldo Carneiro / Pernambuco Press)
Apesar da folga bucólica, o Náutico está presenta na rotina de Rogério
em Pesqueira. Das suas fotos na parede até as camisas oficiais que os parentes
usam (presente dele). Da caneca personalizada no balcão até as fotografias com
o parceiro Kieza, um dos melhores amigos de trabalho.
Por falar em amigo, ele conversa muito ao telefone com o meia Cascata, amizade formada
no período em que os dois estiveram se recuperando no departamento médico,
e foi o melhor fruto desse período de dor para Rogério. Indiretamente, o
Náutico está presente para lembrar que o tempo na zona rural é passageiro.
Varjota Esportes - Ce. / Globoesporte
Varjota Esportes - Ce. / Globoesporte
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